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Mãe, não tenho sono!

Tresler

Senhora doutora, o meu miúdo dá-me umas noites terríveis. Tem 3 anos, acorda a umas horas incríveis, parece que se assusta e vê monstros e gigantes e sangue, muito sangue… Às quatro da manhã, uma ou duas vezes por semana, senta-se na cama e desata aos gritos. É terrível, dá cabo de nós. Depois de um bocadinho de mimo lá fica tranquilo para mais três ou quatro dias sem grandes problemas. Às vezes quer vir dormir connosco mas quando é assim já quase não dormimos até de manhã. Isto há vários meses. Andamos com a cabeça em água.

Senhora doutora, o diretor de turma veio dizer-nos que o nosso filho (17 anos) passa as aulas ensonado e já o apanharam a dormitar. É verdade, ele deita-se muito tarde. Apanhou esse hábito aos 12-13 anos com os programas de televisão, a Internet e as consolas e nós já não conseguimos impor a nossa autoridade. Escapou-nos. Há dias eu ia dar-lhe uma chapada por me ter respondido mal e ele acabou por me fazer frente e depois saiu porta fora. Já não sabemos o que havemos de fazer. Depois ao fim de semana recupera o sono levantando-se tarde mas sempre deitando-se tardíssimo. Ao sábado é sempre de manhã que chega dos bares e discotecas. E a minha mulher nunca dorme antes de o sentir em casa…

Senhor doutor, eu sonho muito. Curioso que as minhas colegas de trabalho dizem que praticamente não sonham e quando sonham são coisas indistintas e sem grande sentido. Ora eu sonho histórias que sou capaz de contar se mas perguntarem logo a seguir. E dali faziam-se uns romances fantásticos, assim eu soubesse escrever. Às vezes são coisas que me ficam a incomodar porque não sei se devo contá-las ao meu marido e filhos. E depois acordo de manhã e parece que não descansei, parece que levei uma valente sova de cada noite que os sonhos vêm.

Senhor doutor, vou contar uma coisa terrível. O meu marido já por várias vezes me agrediu a dormir, às vezes a murro, outras a pontapé. E já aconteceu uma vez que me forçou a ter relações e de manhã disse que não tinha feito nada, que não se lembrava de nada. Acha que uma pessoa de seu inteiro juízo pode fazer isso? Uma amiga disse-me que já tinha ouvido um caso desses mas calhar-me a mim, veja lá… Trago-o cá? É melhor, não é?

Senhor doutor, sou viúvo, tenho oitenta anos, uma ou outra mazela e anda a acontecer-me uma coisa estranha. Nos últimos tempos ando sem sono, às vezes depois de algumas horas na cama lá me deixo dormir mas para mim, que tenho o hábito de me levantar cedo, corresponde a uma noite estragada. E agora, depois de uma conversa que tive, dei comigo a pensar que bem pode ser o medo de morrer. O meu corpo recusa-se a dormir porque tenho medo de morrer. Eu gosto mesmo muito de viver mas será isto possível?

Senhora doutora, sempre me disseram que o álcool ajudava a dormir, mas agora de há uns tempos para cá tenho bebido até mais tarde e ando a dormir menos bem. Será possível? Lá no café um enfermeiro disse-me mesmo que até posso dormir o mesmo tempo mas o sono é mais superficial, de menor qualidade. E ainda por cima diz-me que beber perto da hora do sono favorece o ressonar, o que não é muito agradável para a minha Maria. Ela realmente tem-se queixado mais.

Senhor doutor, tenho 50 anos e há dias aconteceu-me uma coisa incrível. Deixei-me dormir num colóquio feito por um colega e os meus colegas aperceberam-se. Alguns disseram mesmo que cheguei a ressonar. Já me tinha acontecido nalguma peça de teatro ou num filme mais exigente depois de um dia cansativo. Mas numa sessão de um colega e com um tema que, para além disso, me interessava… E ainda por cima foram-lhe dizer. Foi um dia de gozo lá no trabalho. Estarei doente?

Nem todos estavam doentes. Os médicos ajudaram, pelo menos, a perceber o problema. Mas desconfiem dos comprimidos para dormir, vão pela mudança comportamental – diz a especialista em doenças do sono Teresa Paiva. Para começar: sabiam que 75% dos portugueses se deitam depois da meia-noite? E que os jovens portugueses dormem em média uma hora menos que os outros jovens europeus?

(Estes e muitos outros casos de problemas do sono na obra “Bom Sono, boa vida”, de Teresa Paiva, col. Saúde & Bem-Estar, Lisboa, 2012)

Por: Joaquim Igreja

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