Há coisas que não vão mudar na Madeira. E não vão mudar porque só mudariam se ali passasse a vigorar o mínimo (mas não o suficiente) para que a democracia funcione: a alternância no poder. Continuará a vigorar na Madeira o regime que o México conheceu durante anos: o Estado confunde-se com o partido e é no partido que se decidem os líderes e as mudanças políticas. Um regime que, esvaziando o papel da oposição e asfixiando a sociedade civil, está condenado à corrupção e ao tráfico de influências. Não é exclusivo, no País, da Madeira. Mas na Madeira atinge proporções extraordinárias.
Não sou madeirense. Sou descendente de muitos madeirenses que saíram, quase todos, há muito da ilha. Isso criou-me apenas uma relação emocional com a Madeira. Aquela relação que tende a crescer quando começamos a chegar a uma idade em que as nossas origens, vá-se lá saber porquê, nos interessam. As minhas estão, em grande parte, ali. E é impressionante como os abusos de poder de um homem sem qualquer qualidade intelectual, que fez da exibição da sua boçalidade uma arma política, marcou negativamente a imagem da Madeira. Como a generalidade dos continentais resumem a ilha a isso. E os madeirenses a eleitores de tão grotesca figura.
Mesmo a minha relação com a Madeira tem sido marcada por este homem. E nem me posso considerar uma vítima do seu abuso crónico. Os sucessivos processos que me foi pondo, sempre às custas dos contribuintes e sempre protegido pela imunidade parlamentar que finalmente acabará quando sair do Conselho de Estado, são uma pequeníssima amostra do que foi fazendo a todos os que, no exercício do que deveriam ser os seus direitos constitucionais, se atreveram, na Madeira, a fazer-lhe oposição.
Durante 40 anos Alberto João Jardim foi uma espécie de lembrete da nossa inexperiência democrática. A forma como foi atropelando, impunemente, todas as regras da democracia e do Estado de Direito, mostrou como o nosso regime não está ainda preparado para lidar com quem decida tratar o cargo que ocupa como propriedade sua.
No entanto, a partida sem glória de um Jardim ressentido e azedo, esquecido pelos seus próprios companheiros de partido, também é uma lição. Uma lição vezes sem conta repetida na história. Sem poder, as tiradas de Alberto João Jardim apenas provocam o encolher de ombros de quem ouve a mesma e estafada piada. Ameaça regressar para a política portuguesa. Não compreende que a política portuguesa já o esqueceu. Será recordado agora, no momento da despedida. E poderemos finalmente falar da Madeira por o que ela vale, sem ter de a identificar com uma figura burlesca que apoucou durante anos a imagem dos madeirenses e a dignidade da autonomia. Pelo menos no estilo, hoje é o primeiro dia do resto da vida da Madeira. Para a carreira política de Alberto João Jardim é o último. Acabou.
Por: Daniel Oliveira