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Depois de semanas de impasse e dias de angústia, o acordo para um novo tratado da União Europeia foi selado no passado fim-de-semana. Resolvido o amuo polaco e a birra britânica, Durão Barroso e Angela Merkel manifestaram o seu contentamento com um beijo – como é possível comprovar pela fotografia de primeira página do Público do passado domingo.

Fica assim demonstrada uma diferença fundamental na forma de fazer politica entre os dois lados do Atlântico. Nos EUA ninguém se lembraria de beijar Hillary Clinton. Nem mesmo o seu marido Bill. Na Europa a politica faz-se agora com amor e carinho. Se o beijo fizesse parte da história europeia, com toda a certeza não teriam morrido milhões em duas sangrentas guerras mundiais que dizimaram o Velho Continente.

Se em vez de disparar sobre o arquiduque Francisco Fernando, Gavrilo Princip se tivesse aproximado para lhe depositar um ósculo sonoro sobre as faces, o século XX teria sido todo ele diferente. O mesmo se pode dizer de homens como Hitler ou Stalin. Fossem eles criaturas mais dados aos mimos e actos de ternura e nunca teriam existido Auschwitz ou gulags.

Até por cá a história teria uma versão alternativa se Oliveira Salazar em vez de personagem austero se apresentasse ao povo português sempre acompanhado de um ursinho de peluche a quem designasse de forma enternecedora “o meu generalzinho”.

Com um simples chocho, Merkel e Barroso definiram o paradigma futuro das relações politicas entre o politico mais importante da União Europeia e o presidente da Comissão. A partir de agora, nada se resolverá com negociações tensas, mas sim dentro de parâmetros considerados queridinhos. Gordon Brown não aceita a carta dos direitos, José Luis Zapatero afaga-lhe a cabeça durante alguns minutos. Anders Fogh Rasmussen desconfia da centralização europeia, Nicolas Sarkozy desinquieta-o com massagens relaxantes. Os gémeos KaczyDnski têm medo da Alemanha, José Sócrates acende uma lanterna e senta-se pacientemente à beira da cama, para contar histórias infantis até os irmãos adormecerem serenamente.

O preâmbulo da Constituição Europeia deixava de fora menções ao Cristianismo, mas referia a importância de construir uma Europa solidária, unida e fofinha. O afecto deve ser agora a base das relações intergovernamentais. A poucos dias do início da presidência portuguesa, os responsáveis políticos do nosso governo estão a preparar vários dossiers de fundamental importância para a CIG, com a descrição completa dos apropriados estilos de beijos e abraços ou – para casos de maior dificuldade de resolução – apalpões e toques eróticos para cada situação. Pode parecer exagero ao leitor mais pudico (e agradável ao mais leviano), mas são conhecidos os ímpetos federalistas de alguns políticos europeus.

Barroso e Merkel deram um passo decisivo para a aproximação dos povos e para a aceitação da realidade transeuropeia mesmo nos eleitorados mais desconfiados. Os franceses podem ter votado “Não” ao Tratado Constitucional, mas são incapazes de resistir a um beijo.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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