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Limpar o bosque a meninos

Observatório de Ornitorrincos

A primeira vez que ouvi falar da existência de uma operação chamada Limpar Portugal, pensei: “Bolas, esta gente não deixa o Sócrates em paz.” Fui depois informado que esta iniciativa pretendia apenas recolher grande parte do lixo do território nacional. Nessa altura temi pelas três séries do Diário da República e por vários capítulos da Constituição.

Que não, disseram-me. É para apanhar o entulho que vai pelo chão desse país. Pois bem, nesse caso a operação Limpar Portugal do fim-de-semana passado constituiu um enorme fracasso. O meu hall de entrada continua cheio de papelada e o meu apartamento também é Portugal. Vi o Presidente a acompanhar uns miúdos que apanhavam lixo do chão e decidi que não volto a limpar a minha sala sem a presença, pelo menos, de um Vice-Presidente da Assembleia da República. A minha casa não merece menos que as matas nacionais – e refiro-me tanto à presença de dignatários do regime como de meninas boas de famílias más, já que tanto os primeiros como as segundas parecem preferir claramente a floresta portuguesa ao meu T2.

A propósito, as profissionais do prazer foram muito prejudicadas na sua vida laboral durante esse sábado. Com o local de trabalho cheio de famílias e políticos, tiveram de deslocalizar o seu posto de trabalho – e não vi a CGTP preocupada com tal injustiça. Ainda por cima trabalhadoras que durante as horas de turno exercem em acumulação de tarefas o inestimável serviço cívico de protecção contra incêndios. Além das óbvias funções de vigilância durante os tempos de espera, os profilácticos usados espalhados pelo arvoredo, se usados como corta-fogos, podem ser muito úteis em caso de incêndio.

Neste tempos de crise, o país continua assim a sofrer as agruras da acção política. Todas as iniciativas louvadas pelo Governo ou auxiliadas pela Presidência da República acabam sempre com gente a perder o emprego ou com o contribuinte a pagar mais.

Os promotores da acção pretendiam juntar todos os portugueses numa espécie de piquenique colectivo, mas desta vez no fim todos apanhavam as cascas da fruta e os pratos de plástico do chão. Parece que os grande adversários desta ideia foram o mau tempo e a má vontade dos portugueses para limpar aquilo que não sujaram. Os portugueses nem sequer têm vontade de pôr ordem naquilo que eles próprios desarrumaram. Para ser eficaz e dar o exemplo, a primeira medida desta operação seria chamar António Guterres e arrumar a bagunça que deixou. E a minha sala? Já expliquei que sem um representante da República a incentivar não tiro os meus livros do chão.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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