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Extremo Acidental

Os socialistas de hoje, que estão a chocar o ovo de uma cousa pior, que há-de ser os socialistas de amanhã.

(Camilo Castelo Branco, “Maria Moisés” in Novelas do Minho)

Os socialistas de hoje, em Portugal e no mundo, andam em grande alvoroço para tentar fingir que não foi o socialismo de ontem que nos trouxe a esta crise que eles querem resolver com o socialismo de amanhã. Por cá, Mário Soares aproveitou a sua qualidade de entrevistado regular do jornal “i” para apadrinhar uma reunião na qual toda a esquerda ocupou a Aula Magna. Toda? Não. Uma pequena aldeia povoada por irredutíveis socialistas ainda resiste ao invasor.

No dia dessa magna reunião ouvi Vasco Lourenço dizer na TSF (Tribuna Socialista Frentista) que a esquerda tem dificuldades em entender-se porque se move por valores, ao contrário da direita, que se entende às mil maravilhas – como prova a sólida coligação governamental – porque se move por interesses.

Duas coisas me espantam nesta declaração. A primeira é Vasco Lourenço ainda conseguir falar. A segunda é descobrir que não há consenso mesmo dentro da esquerda acerca dos valores sagrados que a movem. A surpresa foi tal que me comoveu. Mas os valores que impelem a esquerda para o progresso não são afinal universais? Os superlativos valores como o amor ao próximo, a sensibilidade com os que sofrem, o desejo por um mundo melhor, a bondade exclusiva da esquerda que se opõe à abjecção interesseira da direita não chegam para as almas puras da esquerda se entenderem?

A solução para acabar com as grandes descoordenações motoras do socialismo talvez seja cada esquerdista abdicar dos valores que lhe passam livremente pela cabeça e seguir sem hesitar um timoneiro que decida o que defender e, já agora, para evitar dissidências, transforme os valores em interesses (de preferência, do povo trabalhador). Apesar de ser uma fórmula nunca antes tentada, fica a ideia. Revolucionária.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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