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Leilão de mirones

Extremo Acidental

Súmula política da semana passada: o Governo julga que os portugueses preferem milhões no orçamento a rabiscos abstraccionistas e a oposição acredita que o povo merece ser mirone de Miró.

Eu, que pouco aprecio mirar Mirós, julgo que este é que devia ser um tema para referendo. Em vez de perguntar aos eleitores sobre quem pode e não pode adoptar crianças, deviam perguntar-nos se queremos olhar para os Mirós. A julgar pelas reacções que vi e ouvi na sala dedicada ao pintor catalão no museu Reina Sofia em Madrid, posso imaginar o resultado da consulta. Mas a democracia é a democracia. E neste caso não estaríamos a referendar direitos humanos, apenas a perguntar aos donos dos quadros se os querem manter ou se os preferem vender. Para o referendo ser justo, devia haver um boletim de voto por cada quadro, com a sua representação em miniatura, e os quadrados para o “sim” e para o “não”. O que se perdia em aura pela reprodutibilidade técnica ganhava-se em democracia directa pelo esclarecimento popular. Disto não se lembrou ninguém da Escola de Frankfurt, que parece que não é nem um colégio do Banco Central Europeu nem uma academia do Eintracht.

Se eu mandasse, tentava trocar os oitenta e cinco Mirós por dois Magrittes e dois Hoppers e organizava uma exposição itinerante por todas as cidades, vilas e aldeias do país. E ai daqueles que não gostassem ou se recusassem a ver. Uma coisa é ser céptico em relação à lixarada contemporânea que alguns têm por arte, outra é ser filisteu e abjurar a arte verdadeira, que é aquela de que eu gosto.

Quem ficará pouco satisfeito se o Governo acabar por vender os quadros para reduzir o défice do BPN é o ministro Pires de Lima, que mais uma vez verá as suas declarações contrariadas pelas acções do executivo a que pertence. Porque se os Mirós renderem uns milhões valentes será uma prova que afinal a arte pode ser útil às empresas.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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