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Kubik “ready made”

“Metamorphosia” é o terceiro capítulo do alter ego de Victor Afonso, cujo percurso musical tem por base a ideia de mutação, fusão e reciclagem

«Não sou pop, rock, electrónica ou electro-experimental e muito menos um Dj». Kubik chega-se à frente e deixa para trás o sereno e pacato Victor Afonso. O professor de música e coordenador da Mediateca VIII Centenário, na Guarda, transfigura-se para falar de “Metamorphosia”, o último disco do seu alter ego. Kubik tem vida própria e um BI de fazer inveja a muita gente no mundo da música moderna portuguesa. «Tenho sensibilidade suficiente para abordar todas as referências musicais e os sons dos mais variados géneros», atira. E para se apropriar delas também.

Neste álbum, as vozes, reais ou sampladas, de Adolfo Luxúria Canibal, Francisco Silva (Old Jerusalem), Américo Rodrigues e César Prata são o seu campo de experimentação predilecto. Há também instrumentos reais no meio de um verdadeiro labirinto de “bricolage” musical feito de electrónica, fragmentação estilística, fusões musicais avulsas, técnica minuciosa de corte e costura e reciclagem sonora. É uma «abordagem orgânica», admite, para logo acrescentar que a componente electrónica continua a prevalecer no seu trabalho. Kubik define-se como um «explorador da música pela paixão da música», daí o seu gosto enciclopédico e fontes de inspiração inesgotáveis. Cada tema é feito de um pouco de quase tudo. Das bandas sonoras de filmes ou “cartoons”, passando por fragmentos de músicas, géneros, ruídos, ritmos ou melodias. Estão avisados de que ele é um salteador com ritmo e ainda mais lógica. É um adepto confesso do apropriacionismo e do “ready made” do universo dadaísta, cujos sintomas antevê na forma como compõe. «Mas também faço composição digital original», acrescenta.

Pode não parecer à primeira audição, mas o seu trabalho tem um princípio, meio e fim. «Não sigo qualquer tipo de regras de composição, o que pretendo é atingir a liberdade absoluta que advém da minha condição de ouvinte», refere. E esclarece de imediato: «O que me interessa é tudo o que é fundo sonoro, que trabalho recontextualizando-o». Para tal, Kubik cola, manipula e compõe para peneirar a riqueza escondida de pormenores sonoros que passam despercebidos a grande parte dos ouvintes. «Todos têm uma razão de ser e de estar ali», garante, dizendo haver no seu trabalho uma preocupação artística sem compromissos comerciais. «Não tenho “hits” e acredito que a minha música só agradará a uma franja de ouvintes com formação adequada», adianta. Não espera por isso dedicar-se só à música, um «”mundo cão”» em Portugal. Quanto a “Metamorphosia”, é o terceiro capítulo da existência musical de Kubik, cujo percurso tem por base «a ideia de mutação, fusão, reciclagem e obliquidade estética», classifica. A sua criatividade tem surpreendido mais do que um crítico musical, geralmente rendidos ao trabalho «cosmopolita, urbano e avançado» de Victor Afonso. Ainda para mais na Guarda, que ainda não gozará de grande reputação nos grandes centros.

Disco à venda até ao final do mês

“Metamorphosia” é uma edição da Zounds Records que inclui 14 temas, dois lados A e B imaginários e diversas colaborações, como Luís Andrade (guitarra, baixo e programações), Alberto Rodrigues (saxofone alto) e César Prata (gaita de foles), para além das vozes atrás referidas, entre outros. Tudo indica que possa estar à venda até ao final deste mês e só depois serão programados alguns espectáculos já apalavrados. Segundo uma nota da produtora, este é um trabalho que prolonga e desenvolve as premissas estéticas do disco de estreia. Por outro lado, inclui o tema “Driving With Your Fingers Crossed”, do grupo Bypass, remisturado por Kubik. Este é o seu segundo álbum, depois do consagrado “Oblique Musique”, que valeu ao músico da Guarda o convite do pluri-facetado Mike Patton para abrir o concerto dos Fantômas na Aula Magna em Maio do ano passado. O álbum de estreia surgiu em 2001 pela Zounds Records e foi considerado pela crítica especializada um dos dez melhores discos portugueses desse ano. Uma interminável experiência ciberdigital que valeu ao malabarista Victor Afonso e ao resultado dessa viagem multi-rítmica e sonora o epíteto de «único álbum “moderno” de 2001». Uma classificação então encontrada por João Lisboa, crítico musical do “Expresso”, para arrumar o «labirinto» musical de Afonso no indescritível mundo da electrónica. O projecto Kubik tem merecido o aplauso da crítica desde 1998, após a edição de duas maquetas intituladas “Cry Sound” e “Radio Mutation”, que lhe valeram inúmeros Prémios Maqueta, instituídos pela editora Deixe de Ser Duro de Ouvido.

Luis Martins

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