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Juramento humanista

Perto de 500 jovens médicos fizeram o Juramento de Hipócrates, numa cerimónia que decorreu no Convento de São Francisco, em Coimbra. O evento, organizado pela Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos, juntou cerca de 1.700 pessoas.

Trata-se de um momento único na vida de um médico. «Ser médico é ter a coragem permanente de lutar contra o sofrimento, contra a adversidade, contra a insensibilidade. Sobretudo, nestes tempos conturbados», referi neste momento solene. «Nestes últimos anos, o Ministério da Saúde insistiu, sistematicamente, em mecanizar o exercício da medicina», quer «através da criação da figura do médico-funcionário, das restrições nos tempos de consultas, do controle de atos diagnósticos e terapêuticos», quer motivada pela «informatização deficiente».

Na mesma intervenção, não deixei de alertar para a existência de uma classe em “burnout”, «numa crescente sensação de sufoco, desmotivação, insegurança e a perspetivar a emigração». Recordei, aliás, o estudo recente levado a cabo na região Centro, segundo o qual 40,5% dos médicos revelaram altos níveis de exaustão emocional. «Todos os anos, o Ministério da Saúde desperdiça centenas de jovens médicos que o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior teima em formar, estoicamente, contra todas as previsões de necessidades em recursos humanos, para as próximas décadas. Os serviços hospitalares e dos cuidados de saúde primários estão a perder a sua capacidade para formar médicos especialistas sob o olhar desatento e despreocupado do Ministério da Saúde».

Os números falam por si: «Nos últimos 20 anos, Portugal desperdiçou a formação de 6.000 médicos especialistas – que poderiam ter sido formados – devido a uma total incapacidade de planeamento das necessidades em Saúde. Nos últimos três anos, saíram de Portugal mais de 1.300 médicos para o Reino Unido, França, Alemanha, Espanha, Brasil ou até Arábia Saudita. Metade tem menos de 35 anos».

Nestas circunstâncias particularmente difíceis, fiz questão de sublinhar que «tal como Hipócrates lutou, no seu tempo, por uma medicina humana, contras as crenças na magia e no sobrenatural, lutamos hoje contra governantes e gestores que ignoram o interesse do doente, que só pretendem favorecer proveitos economicistas e esquecer a dignidade da profissão médica». E assumi perante os jovens que terminaram a sua formação pré-graduada: «Este é o tempo para não vacilar perante as adversidades, a frustração e até pela incompreensão. Este é o tempo para manter sempre o brilho de esperança e acreditar que o esforço vale a pena. Estamos juntos nesta tradição do Juramento de Hipócrates que é alicerçada nos fundamentos da Democracia, da Liberdade, da Justiça e da Igualdade. Estamos juntos para auxiliar os menos afortunados pelo destino da vida e da natureza. Estamos juntos para ajudar os que mais precisam de apoio e ajuda. Estamos juntos nesta celebração dos valores da Medicina que foram defendidos e transmitidos por centenas de gerações de médicos».

Porque «a nossa missão é defender sempre o doente, com humanismo, respeito e dedicação».

Por: Carlos Cortes

* Presidente da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos

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