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Jota

Bilhete Postal

J. tem a idade dos meus meninos. Não é do filme da zona J. Menina, pouco filha, pouco irmã, parte tragédia humana, parte desamor, parte desequilíbrio. J. tem o percurso dorido das rejeições. Muitos J. são produto das suas idiossincrasias, seus cérebros pouco musculados, suas emoções néscias, suas famílias mutacionais, sua sensação de não pertença, ausência da magia completa de ser família, de ser integralmente filha. J. pode ser adoção, ou filha separada. No seu pequeno desenlace intelectual percebe mal o castigo, o afastamento, a punição, mesmo que os gestos não se aprovem. São emoções em construção.

J. um enforcou-se.

J. dois despenhou o corpo de um muro.

J. três cortou os punhos.

J. quatro é médica e forte.

J. matou a mãe adotiva.

A maioria não aguenta, mas alguns sobrevivem e crescem. J. é um estereótipo de uma sociedade que não vigia, não protege, não apoia as crianças em risco e as que não estão bem, não forma os que se interessam ou os que tentam.

J. pode ser penso para relações fracas – corre mal.

J. pode ser a filha perdida do divórcio – corre mal.

J. pode ser um filho num casal amor – deve correr melhor.

J. é como o cão: não sabe porque lhe batem, não sabe porque o abandonam, não sabe porque não gostam dele, mas abana o rabo, volta feliz, abre os braços.

Um dia J. é diferente do cão: pensa! raciocina que não presta, pensa que não a querem – já é pior que a emoção dorida – é desesperança.

J. atirou-se ontem de um muro grande. Não sei se morre, ponto. Não sei se sobrevive – depois vive?

A fragilidade das emoções estrutura-se de modo diferente em cada um. O cimento da aprendizagem, a cultura como tijolo, a inteligência como vínculo, tudo vai moldando o pré-existência. J. colocada ali desconhece mãe, desconhece pai. Está a aprender com lentidão. Se o pai morde a mãe ou a mãe bate e achincalha e despreza, J. cai. Atenção que podia cair sem mais nada. Há uma subtileza especial nestes filhos sem colo e sem peito logo após os gritos de respirar.

Por: Diogo Cabrita

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