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José Fonseca e Costa, um Autor

Opinião – Ovo de Colombo

O cinema português perdeu um dos seus mais ilustres representantes – José Fonseca e Costa. Homenagens devem ser prestadas enquanto vivos, mas seria desrespeitoso não fazer uma dedicatória a este admirável senhor.

De Angola veio para Lisboa, em 1945, para estudar Direito e acabou por abraçar a 7ª Arte. Brindou-nos com filmes como “O Recado” (1971), “Kilas, o Mau da Fita” (1980), o seu maior sucesso, “A Mulher do Próximo” (1988), “O Fascínio” (2003), “Viúva Rica Solteira Não Fica” (2006), entre outros.

A sua vida daria um grande filme de ação e paixão ao estilo da Warner Brothers. De personalidade forte e corajosa, opositor ao regime salazarista, chegou a ser preso pela PIDE. Em Itália, foi assistente do realizador Michelangelo Antonioni (“L’Eclisse” – 1962) com quem, segundo ele, aprendeu a realizar filmes.

Nos seus filmes percebe-se a força da sua natureza. É neles evidente uma energia política. De si, disse ser «um iconoclasta», «um destruidor de templos, […] um ateu praticante». Esta característica fortemente presente no seu cinema faz dele um autor. Os críticos da “Cahiers du Cinéma”, nos anos 50, não teriam dúvidas em considerá-lo como tal, pois segundo a sua teoria da “Política dos Autores”, mesmo em contexto industrial, um realizador pode revelar o seu próprio estilo (manifestado de filme para filme), o que faz dele um autor. Fonseca e Costa, num país sem indústria, fez cinema comercial, apelativo para o público, o que só lhe dá crédito, mas foi também autor de obras de óbvio interesse académico.

Os temas reais, atuais e negros, a presença erotizada da mulher (através do explícito e do implícito em “Sem Sombra do Pecado”, 1983), e a banda sonora psicológica e envolvente (os acordes hipnóticos da “Balada da Praia dos Cães” (1987) semelhantes a “Vertigo”) são também traços comuns nos seus filmes.

Talvez quisesse ter feito mais filmes, mas talvez não tivesse podido. Não é fácil ser-se realizador em Portugal. O Direito ter-lhe-ia facilitado a vida, mas ele era um homem de paixões. Fazia filmes a pensar no público. Talvez por isso, os seus trabalhos sejam tão cativantes. Obrigado Fonseca e Costa.

Por: Miguel Moreira

* Licenciado em Ciências da Comunicação e mestre em Cinema pela Universidade da Beira Interior. Autor do blogue “Ziegfeld Boy”.

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