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Jornalista

observatório de ornitorrincos

Um jornalista está para a idade adulta como algumas avós, mães e tias para a infância e adolescência. São essencialmente criaturas incomodativas com as perguntas sempre que lhes cheira que alguém fez disparate. Se a pergunta “Quem é que partiu esta jarra?” é substituída por “Quem é que recebeu dinheiro do empreiteiro em troca de favores?”, a resposta mantém-se inalterável: “Sei lá, eu não fui. Se calhar foi…” (aqui escolhe-se um nome de alguém que esteja, conforme dê mais jeito, doente, emigrado ou constantemente embriagado, embora seja de pouca educação pôr as culpas no pai quando este acumule todas as características). Um bom jornalista, como uma boa mãe, não aceita respostas deste género. Continua a fazer perguntas a torto e a direito a quem calha por ali passar. O que interessa é descobrir quem partiu a jarra (ou quem é corrupto, embora uma jarra partida seja mais perigosa para quem ande descalço). E depois de saber, contar a toda a gente. Portanto, um jornalista parece-se não só com uma mãe que não pára de fazer perguntas, como logo a seguir se equivale à vizinha de cima que relata pormenorizadamente a vida de todos. Um jornal, no fundo, é uma espécie de pátio antigo. Com miúdas mais giras. E a cores.

Para se ser jornalista é preciso ter vontade de saber coisas interessantes e importantes para a comunidade (por exemplo, como se sente uma mãe que acaba de perder um filho ou conhecer os anseios do novo campeão mundial das barbas). Tem de ter uma disponibilidade de tempo acima da média. Em Portugal não se constrói uma carreira sólida na informação apenas com trabalho árduo na redacção, é necessário ir ao encontro das pessoas. Nomeadamente das pessoas que estão no Snob depois da meia-noite. Há jornalistas que vão todos os dias de Bragança ao Príncipe Real comer uma tosta-mista e ouvir as conversas dos directores do DN e do Correio da Manhã. Principalmente, um candidato a jornalista deve ter em consideração que se chegar ao exercício da profissão tem de estar preparado para passar muito tempo fora de casa, sejam algumas semanas em longas e difíceis reportagens, sejam vários meses na prisão (enquanto Sócrates for Primeiro-Ministro e Augusto Santos Silva ministro da Propaganda) por violações de várias alíneas do Código Penal e do Estatuto dos Jornalistas, após escrever uma breve notícia de dois parágrafos sobre um festival de aeromodelismo.

De acordo com o tipo de jornalismo que se pretenda fazer (televisivo, radiofónico ou de sarjeta), há alguns requisitos que os interessados devem adquirir. Um candidato a jornalista deve ser, acima de tudo, alguém com uma fortíssima e consolidada base de conhecimentos. Nomeadamente, conhecer alguém na administração do órgão de comunicação onde deseja trabalhar. Conhecer políticos e gente importante pode ser um factor preponderante, desde que não se tenha uma irmã gémea com maus fígados. Para fazer carreira na televisão é indispensável saber escrever rodapés. Se o sonho for entrar para a TVI, é importante compreender o desconstrutivismo ortográfico que obriga a escrever as palavras de forma diferente daquela que está num qualquer dicionário de língua portuguesa. Embora haja quem insista no bom uso da sintaxe e da boa educação, há excepções que se devem conhecer. Saber gramática ou pontuação pode ser desfavorável a quem pretenda entrevistar Saramago e falar com deputados da oposição é um procedimento nada deontológico em jornalistas da RTP. Para quem tenha nojo do jornalismo de sarjeta (isto é, aquele que fala do que não interessa ao Governo) a estação pública é a redacção mais indicada, uma vez que cumpre escrupulosamente as regras deontológicas do Governo. E caso não consiga estágio, pode concorrer a uma vaga na ERC.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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