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Jornalismo de Intervenção – aqui e felizmente

Jogo de Sombras

1. O ofício de ter opinião e de a manifestar em público pode ser visto como um privilégio ou como um risco. Para quem está de fora, parecerá provavelmente uma regalia. Para quem está dentro, mais depressa se tornará num inconveniente: existe, contra quem escreve nos jornais ou fala na rádio, uma suspeita doentia sobre a origem daquilo que pensa; e uma propensão achacadiça para catalogar as ideias expressas em função de pretensos calculismos, de supostas dependências ou de desfigurados obséquios. Criticar abertamente não é tão fácil quanto se julga. É bastante mais simples discorrer sobre temas académicos ou pensamentos genéricos, remetendo para citações de pé de página o que se afigure ambíguo. Dá ares de erudição, não compromete as relações e permite ficar-se bem com as partes. É uma fórmula providencialmente redentora quando a periodicidade coincide com acontecimentos sobre os quais até podem os públicos – específicos ou abrangentes – estar na expectativa de uma definição. Eu, pessoalmente, acho que quando não temos nada para dizer mais vale fingirmos que vamos ali e já voltamos. Sou contra a ideia dócil de que a vida é a feijões. Defendo que a função dos interventores na opinião pública é mesmo essa: ter opinião. Considero que ao fim de algum tempo de prática se estabelece um contrato implícito entre quem lê ou ouve e quem escreve ou fala, contrato esse que não consente escapatória a posições impopulares, a convicções politicamente incorrectas, a dizer os nomes das coisas, a não ficar pelo trivial ou pelo inócuo, a não ceder a brandos hábitos. E digo mais: entre a tentação do silêncio, que é própria dos comprometidos, e a tentação do exagero, que não tenho problemas em reconhecer que é inseparável até do jornalismo mais sério (por uma multiplicidade de factores nem sempre imputáveis, como a pressão do tempo), prefiro claramente cair na segunda. Seria mais grave para a saúde pública – entenda-se saúde da democracia – que ficássemos, coagidos por excesso de cautelas, aquém da função de que nos cabe, em vez de irmos além, mesmo correndo o humano risco do erro, sempre reparável no momento imediato. O princípio fundamental é que nada seja feito com leviandade nem má-fé. Por isso não me choca que direito à informação e o direito à crítica devam estar sob contínua monitorização, a começar por aquela que é primordial: a dos próprios detentores destes direitos. Ou, quando inevitável, a dos órgãos reguladores legalmente instituídos. E, se necessário, a das instâncias judiciais. Uns e outras só amedrontam os primeiros quando estes estiverem de má consciência.

2. Na nossa região – como noutras, provavelmente – convivemos com mediocridade que nos querem fazer crer legitimada; com promoções sociais duvidosas; com reconhecimentos públicos suspeitos; com a hipocrisia aceite como banal; e com a inépcia tida como corrente. O diagnóstico – que tem sido protagonizado e avalizado por cíclicos alistamentos de poderes e oposições – só não é tão negro porque há quem não capitule no conformismo nem nas meias-tintas. Quem? A Rádio e a Imprensa, desde logo. Desculpem esta falta de cerimónia mas todos sabem que já demos provas de, em momentos de incerteza e ansiedade, termos sido a primeira – e tantas vezes a única – falange com que a comunidade tem contado na defesa de direitos e na discussão de causas comuns. Um mérito que pertence, em grande medida, a todos os cidadãos que aceitam dar voz, escrever, participar, debater, discutir, intervir, denunciar, defender, explicar, divergir, replicar. Que nome damos a isto? Assim de repente, é Jornalismo de Intervenção. Algo que só será naturalmente entendível e saudavelmente praticável por quem esteja na vida, nos lugares e nas profissões por gosto, por opção, sem sentimento de mal menor nem angústia de exílio frustrado. O que, pelo burlesco dos últimos acontecimentos no PSD, se aceita complacentemente que alguém como Ribau Esteves já nem se lembre do que significa. Há quem não nasça para bombeiro – e tenha a infelicidade de atiçar os fogos quando a intenção é (ou não será?) correr a apagá-los.

3. E uma oposição de intervenção – não se arranja? Ninguém levaria a mal que existisse.

Por: Rui Isidro

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