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Jeropiga no copo e castanha no chão

Centro Cultural de Famalicão promoveu festa para valorizar dois produtos tradicionais

«Colhe-se o vinho e esmaga-se. Depois deixa-se estar umas oito ou 12 horas a repousar, tira-se o mosto e mistura-se com a aguardente. Um dia depois está clara», resume António Proença, natural de Famalicão. Assim dito até parece simples, mas fazer jeropiga em casa nem sempre corre bem. «Se eu soubesse a fórmula, estava rico», ironiza Ricardo Clode Botelheiro, enólogo residente da Adega Cooperativa da Covilhã.

Manuel Gomes da Rocha – Manel Mia, como é conhecido – fez a melhor jeropiga da 3ª Festa da Castanha e da Jeropiga daquela freguesia do concelho da Guarda. Segundo Clode Botelheiro, era «uma doce, mas que não cansa. Tem um aroma a fruta encarnada madura, a ameixa. Um aroma que fica no cálice durante muito tempo». À volta da fogueira, no Largo da Praça, muitos dos concorrentes estranhavam tantos atributos. Sabe-se que é boa com castanhas, ou sem elas. «Estas foram roubadas», ouvia-se à volta do magusto, enquanto não rebentavam no meio da caruma. Entre o grupo Orff da Escolinha de Artes de Famalicão, a Orquestra de Guitarras do Conservatório da Guarda, o som da Tunassa e do baile popular, todos puderam comer o fruto seco, ali assado, no chão. Um dos objectivos da organização estava assim cumprido. «Não queríamos mais do que congregar a comunidade no centro da aldeia», refere Victor Amaral, presidente do Centro Cultural local.

Na hora de fazer a jeropiga, poucos sabem em que vai resultar e quais as notas dominantes no produto final. António Proença responde com sinceridade: «Depende da pessoa. Há quem goste dela mais forte e faça ao terço, com um litro de aguardente por dois de vinho. Ao quarto é mais fraca e mais doce, e leva um litro de aguardente e três de vinho», adianta. Com muitos anos nas pernas, José Augusto, Maximiano do Couto, Emídio Antunes e o próprio António Emídio são unânimes: «Aqui gostamos dela a meio termo: nem muito fraca, nem muito forte». Ainda assim, todos garantem que a fórmula tem de ter em conta a qualidade das uvas. Depois, há que olhar para a carteira e para os garrafões. Primeiro, porque a aguardente, mesmo sendo caseira, é mais cara. Mas há outras preocupações: «Se a jeropiga for muito fraca tem tendência a ferver, azeda e estraga-se. E às vezes rebentam os garrafões, quando a uva não é boa, ou a aguardente é fraca e não fermenta como deve», acrescenta.

Os especialistas confirmam os antigos e o ditado. Clode Botelheiro é tácito: «Tudo começa na uva, na sanidade da uva», classificando ainda de «fundamental» o ponto de colocação da aguardente. «Não pode ser muito alcoólica, nem muito doce, se não cansa», refere o enólogo, que, com Eugénia Sousa, técnica de laboratório da Cooperativa covilhanense, faz uma avaliação positiva dos 24 néctares a concurso, analisados numa prova cega. «Há sempre uma ou outra com problemas, mas, no geral, a qualidade tem vindo a crescer nos últimos três anos», acrescenta. E com ela, aumenta também a procura, pois a Adega da Covilhã já vendeu este ano, «em época de crise, mais jeropiga do que nos dois últimos juntos», garante. Para 2009 poderá haver duas novidades neste evento, como a possibilidade de alguns produtores da Covilhã poderem concorrer com as suas jeropigas. E poderá incluir-se «uma componente gastronómica ligada à castanha, a iguarias e modos de cozinhar a partir daí. Não queremos cristalizar, queremos consolidar mas crescer», justifica Victor Amaral.

Igor de Sousa Costa

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