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Jaime Duchenne

Bilhete Postal

Escrevo embaçado, com a raiva da impotência contra a violência. Escrevo quando ouço milhares de pessoas insanas e intolerantes exigindo e o Jaime espera impávido, com seu esgar de dor. Escrevo já arrefecido da comoção que me causa colocar-lhe cateteres, puncionar a sua falta de defesa, a proximidade da sua lucidez e seu sorriso doce. Um Jaime conformado com a maldade Duchenne que herdou da mãe amada, da mãe que lhe dedica cada minuto daquelas consciências serenas. Jaime está tetraparético porque os membros deixaram de se mover. Tudo se vai deteriorando lentamente, tudo onde há músculos, porque o cérebro, não os tendo, lá vai testemunhando o corpo que arrefece.

O Jaime é aquela cabeça num corpo inerte. Não consegue alimentar-se só, não tem a força suficiente para se alimentar de forma eficaz e por essa razão cada dia terá mais suportes. Um dia os pulmões não terão músculos para os empurrar e o coração vai adoecendo progressivamente. E chego eu com as agulhas àquela lucidez mártir, chego eu com a violência dos nossos objectos de persistir com a vida e ele tudo aceita e tudo me agradece. E eu encho-me de uma dor por trás dos olhos que os espremem e comicham, e louvo a Deus por ter filhos sãos, e aterrorizo-me dum casulo igual. Jaime tem 20 anos e desde há 12 de cama, anquilosado e amado como ninguém. Aquela é a mãe coragem e ele é o herói do sorriso que nasce na impotência maior. Meu Deus, como estas doenças genéticas me dão raiva, e esta incapacidade no sofrimento me angustia. Jaime Duchenne vai viver comigo alguns dias e eu vou sofrer amargamente esta incapacidade, esta impotência.

Por: Diogo Cabrita

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