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Irritações

Há demasiadas coisas grotescas, feias, mal feitas, desagradáveis a sucederem todos os dias para isto acabar bem. De hora a hora, na televisão e na rádio, passa um irritante anúncio do Santander Totta. Um cantor canta “Solid as Iraque”. Eu sei que há quem oiça “solid as a rock” mas a mim não me chega isso aos tímpanos: é Iraque, juro que é Iraque. Talvez sejam só os irritantes maneirismos de cantores portugueses a quererem tanto cantar em inglês verdadeiro que acabam por cair no ridículo, mas que soa como “Iraque”, lá isso soa.

Depois, com três ou quatro desses anúncios pelo meio, Portugal perde com a Espanha, e bem, no meio de um grotesco concerto de vuvuzelas. Antes de mais nada e a título de declaração de interesses, deixo dito que considero que os apreciadores do instrumento estão musicalmente ao nível da varejeira e têm como critério de apreciação da beleza a irritação que provocam nos outros. É barulho pelo barulho. Pode haver outras coisas, outras razões, dirão, talvez justificadas, mas são as coisas dos que preferem viver num mundo em que presidentes de juntas de freguesia chamados Baltasar Lopes interrompem concertos de música clássica ao som da vuvuzela. E porquê? Diz-se que por causa dos foguetes. Se Baltasar não pode lançar os foguetes que quer, assopra na vuvuzela. Podem dizer que o objectivo é o mesmo, irritar, mas talvez estejamos todos enganados – sem saber para já muito bem porquê. O que sabemos é que o autarca se impôs triunfantemente, com o seu feio instrumento, a Bach e Vivaldi. Poderia ser um simples acto de protesto contra algo que merecesse o respeito geral, mas em política o que parece é, e Baltasar, por opção própria e falta de uma causa respeitável que justifique o seu grotesco gesto, mostra-se mais perto de Sousa Lara do que de Blimunda. Segue-se certamente o foguetório.

Chega entretanto o verão. Depois de muitas hesitações temos o calor. As sardinhas não são ainda grande coisa, não pingam no pão, não entusiasmam. Nas praias desfilam mulheres gordas em fatos de banho que lhes ficam mal. Nas aldeias, o descanso nos lares da terceira idade é interrompido pelo estoirar imbecil de foguetes atrás de foguetes e de música pimba nos altifalantes. De hora a hora tocam estridentes ave-marias, a começar logo de manhã. Hordas de autarcas inundam-nos os pesadelos brandindo ameaçadoras e feias vuvuzelas e cantando “solid as Iraque”. Isto não pode acabar bem.

Por: António Costa

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