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“Invasão pacífica” em Pousade

Representação popular de “O Drama da Paixão” levou centenas de pessoas à aldeia do concelho da Guarda

Durante cerca de hora e meia, Pousade, concelho da Guarda, “transformou-se” em Jerusalém há mais de dois mil anos atrás, atraindo cerca de meio milhar de “fiéis”. O motivo para esta enchente na noite do último sábado foi a representação itinerante, por perto de quatro dezenas de actores, de “O Drama da Paixão”, numa organização do Grupo Cultural e Desportivo Pousadense, que marcou o regresso do teatro popular religioso a uma aldeia onde esta arte é uma tradição secular. Na forja, está já a realização de um Festival de Teatro de cariz religioso da região Centro, que promete animar a localidade durante três dias, por altura da Páscoa.

Pelas ruas de Pousade, as várias centenas de pessoas não quiseram perder “pitada” das sete cenas que constituem este “Drama da Paixão”. O empenho e o orgulho dos actores, na sua quase exclusividade habitantes da localidade, já que apenas a personagem de Jesus Cristo foi encarnada pelo profissional António Saraiva, ficaram bem evidentes. Desta forma, as eventuais falhas nas deixas dos artistas, alguns jovens, outros nem tanto, que possam ter ocorrido passaram despercebidas aos espectadores. Com o decorrer das várias cenas, acompanhadas com efeitos de som e luz para tornar a peça mais atractiva, a assistência pôde testemunhar a evolução dramática do texto até à glorificação final. Assim, as primeiras cenas – Predição, Jesus perante Pilatos e Pedindo para saciar a sua sede – decorreram no Largo da Fonte, praticamente cheio. Depois, já com a cruz às costas e a coroa de espinhos na cabeça, deu-se o encontro com Verónica na Rua da Amargura, local em que Jesus caiu por duas vezes, antes de chegar ao Calvário onde foi crucificado juntamente com dois ladrões. «Meu Pai, nas tuas mãos encomendo o meu espírito», foram as últimas palavras que Jesus Cristo proferiu a olhar para o céu, antes de perecer.

Após esta cena, o corpo foi enterrado no Jardim de José de Animateia, a que se seguiu a Ressurreição. Um final que teve lugar no Outeiro, no centro da aldeia, onde os espectadores fizeram questão de brindar todos os intérpretes com uma sonora salva de palmas, sinal bem evidente de que a representação foi do seu agrado.

«Tradição popular que é de manter»

Ilda Duarte, residente na Guarda mas com origens em Vila Fernando, foi uma das espectadoras que ficou «bastante agradada e satisfeita» com esta encenação de “O Drama da Paixão”. «Gostei muito. Sem dúvida que é uma iniciativa que se deverá repetir, sobretudo porque é uma tradição popular que é de manter», considerou, recordando os seus tempos de criança em que «as pessoas vinham todas a pé ver os dramas a Pousade». Já Gracinda Marques, habitante de Pousade, viu a sua neta e marido participarem na peça e também se mostrou satisfeita, salientando ser esta «uma tradição a manter», mas tudo está dependente da vontade dos mais novos porque «os mais velhos já estão com muita idade», adiantou. Américo Rodrigues, actor e encenador do grupo de teatro “Aquilo”, que dirigiu os trabalhos de encenação durante cerca de quatro meses, sublinhou que durante este período os populares denotaram «um grande progresso e evolução», nomeadamente em termos de colocação de voz e expressão corporal.

Para além de António Saraiva e Américo Rodrigues, António Freixo foi o terceiro elemento profissional do teatro a participar nesta representação, mas na vertente técnica de luz e som. Entretanto, Joaquim João Marques, dirigente do Grupo Cultural e Desportivo Pousadense, anunciou que a colectividade vai candidatar-se junto do Ministério da Cultura à realização de um Festival de Teatro de cariz religioso da região Centro. «Se tudo correr bem é para começar já no próximo ano», revela, explicando que a intenção desta iniciativa, vista como «uma boa forma de atrair visitantes à aldeia», passa pelas representações começarem na Sexta-feira Santa, prolongando-se até Domingo de Páscoa. Já neste domingo, pelas 21 horas, “O Drama da Paixão” vai ser representado no Parque Municipal da Guarda para uma lotação limitada de 400 espectadores, pelo que os interessados terão que levantar os bilhetes, inteiramente gratuitos, na Livraria Municipal, ou então no local, no dia do espectáculo.

Ricardo Cordeiro

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