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Intranquilidade e incerteza

Os portugueses vivem momentos de grande intranquilidade e incerteza quanto ao futuro, por força de uma situação económica e social grave e profunda. Nunca, na nossa memória de décadas, vimos o nosso futuro tão dramaticamente atingido pelos erros de um passado recente, pela incúria e irresponsabilidade de poderes políticos que tudo subordinaram aos seus interesses partidários.

Não há a mínima dúvida de que os governos do PS, e em particular os que foram dirigidos por José Sócrates, arrastaram o país a uma inevitável crise que, agora, obriga a uma contenção e a uma austeridade económica e financeira extraordinária.

A responsabilidade política tem, por isso, um rosto.

O Orçamento de Estado que o Parlamento se prepara para discutir na generalidade vai ser aprovado. Estou certo que não haverá um só deputado da atual maioria que o faça sem um forte aperto de alma e coração.

O equilíbrio entre as convicções políticas e doutrinárias e a realidade nua e crua do estado do país, é impossível face ao estado a que o PS e o eng. Sócrates nos trouxeram. Lançar o país em crise política, não aprovando a proposta de orçamento, poderia eventualmente apaziguar as consciências mas apressaria a queda no abismo.

Na discussão política em torno do programa de ajustamento negociado com a “troika” e desta proposta de orçamento, os argumentos têm estado virados para o esforço fiscal que se exige à já sacrificada classe média e a tentar perceber se há alternativas às medidas propostas.

Pois bem, dificilmente se chegará às metas do défice negociadas sem uma forte incorporação de receitas e, nessa perspetiva, a via mais fácil é ir buscar à larga fatia de cidadãos que constitui a classe média.

Emergência ou preguiça do estado na busca de outras vias? Aqui se coloca a questão das alternativas.

Pela emergência, pelo calendário negociado, pelo programa de medidas a que nos vinculámos, será difícil perceber outro caminho menos penalizador para os cidadãos que não seja o de negociar politicamente a atenuação do ritmo do ajustamento.

Pedir por e simplesmente mais tempo e mais dinheiro (slogan do PS/Seguro) é uma irresponsabilidade.

A União Europeia deve ter consciência dos riscos e fragilidades que a atual situação coloca às instituições e aos Estados – em que recrudescem os nacionalistas e regionalismos, em que os interesses dos Estados se sobrepõem aos interesses e à ideia da solidariedade intracomunitária, em que o norte olha com desconfiança para o sul e em que o sul se manifesta injustiçado, em que a Alemanha lidera os ricos e a França quer congregar os pobres, destruindo a tradicional aliança do eixo de transição Paris/Berlim.

Os riscos são imensos e convém que a corda não seja muito esticada. Nem cá nem lá.

Setembro do próximo ano vai ser um mês decisivo. É o mês em que se realizarão as eleições na Alemanha, sendo que o ciclo eleitoral tem condicionado a atitude e as posições da Chanceler Merkel na expectativa de vir a ser reconduzida, admitindo-se que, se for eleita, atenue as posições de intransigência na atenuação das medidas de ajustamento.

Mas setembro é também o mês, curiosamente, em que se prevê que Portugal retorne aos mercados e cesse a tutela da “troika” sobre os nossos instrumentos de decisão, em que o país possa readquirir a sua autonomia decisória.

Se não fosse uma coincidência útil (será?!), diria que tinha sido muito bem estudada.

Nessa altura estaremos por cá em vésperas de eleições autárquicas. Também aqui convinha que alguns estudos se viessem a revelar bem necessários para não haver surpresas por via de decisões precipitadas e mal preparadas.

Mas por agora, e como já vimos alguns opinadores, impõe-se bom senso e muito juízo.

Por: Álvaro Amaro

* Presidente da Câmara Municipal de Gouveia

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