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Interioridade e Regionalização

Segundo muitas opiniões «A região Centro não existe», a divisão da região e a falta de colaboração entre os seus protagonistas faz-nos prever um futuro do “Centro Interior” nada risonho, marcado por alguma falta de liderança e por um empecilho a que alguns chamam de «localismo concorrencial», em que todos puxam a brasa à sua sardinha, neste caso, à sua terrinha, em prol da união e da luta por objectivos comuns à região do interior, nada conseguindo assim face ao poder do litoral que naturalmente goza todas as vantagens que os números lhe atribui. Sendo assim sintomático, uma Região a duas velocidades, pois enquanto nos distritos do litoral se fala de empreendorismo nos distritos do interior como a Guarda fala-se em subsídios, olhando-se agora o QREN, como a derradeira oportunidade para o desenvolvimento, esquecendo facilmente os desperdícios de um passado recente qunto aos fundos dos três últimos Quadros Comunitários e acreditando-se cegamente no sucesso do Plano da Comurbeiras e nos seus 550 projectos, de indiscutível quantidade, mas quanto a mim, de duvidosa qualidade e estratégia.

Aquando do Referendo à Regionalização a oito de Novembro de 1998, que na minha opinião, não teve vencedores nem vencidos, o debate e os esclarecimentos no sentido do voto em consciência não existiram. Os eleitores, uns, votaram “não” ao Referendo porque era apoiado pelos partidos ditos de esquerda; outros, votaram “sim” porque a chamada Regionalização não era do agrado dos ditos de direita; a maioria, não votou. Enfim, foi mais uma “guerra politiqueira”, assim como se de um desafio de futebol se tratasse, ou seja: Ganhou o “não” como poderia ter ganho o “sim”.

No meu entender, está na hora de fazer com que o tema “Regionalização” volte à cena política nacional, mas, desta vez, de uma forma politicamente correcta, o qual, antes de ir à votação, deverá ser objecto de um grande debate nacional e devidamente esclarecido, para bem da nossa região, do país e dos portugueses. Não voltem a dizer que o nosso território continental é pequeno de mais para ser uma “manta de retalhos”! Trata-se de uma descentralização definitiva do poder central, criando-se (não, Regiões Autónomas), mas, sim, Regiões Administrativas concretas e com poderes de decisão, as quais substituirão os ultrapassados Governos Civis, as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regionais e as inoperantes Áreas Metropolitanas, cujos Órgãos nem sequer são eleitos, democraticamente, pelo voto popular e gastam “rios” de dinheiro do Orçamento de Estado que, no fundo, saem do bolso do povo que não os elege!

Precisamos de gente que se dedique à resolução dos problemas públicos e a regionalização será um incentivo à distribuição equilibrada, podendo ser o caminho para a coesão e para a solidariedade. É claro que a regionalização não vai ser a salvação para todos os males, mas também não vai ser o caos que muitos apregoam. Basicamente, será uma oportunidade de reformar a administração pública. E era bom que não a desperdiçássemos, porque há muitos anos que todos estamos de acordo em que a administração é demasiado centralizada e que é necessário mudar algumas coisas, descentralizando e envolvendo mais os municípios nas decisões.

As regiões serão espaços que permitirão resolver melhor alguns problemas. Estou convencido de que o Estado pode trabalhar melhor e dar respostas mais directas, mesmo funcionando com o mesmo dinheiro, distribuindo-o de uma forma mais equilibrada. Porque, de facto, é mais ou menos óbvio que os investimentos se têm cronicamente concentrado em determinadas zonas do país, privilegiando o litoral em prol do interior.

A regionalização virá evidenciar que Portugal é um todo, e estou convencido de que a existência de regiões administrativas também no continente porá alguma moderação nas formas de reivindicação das autonomias, porque se uns invocarem a sua insularidade, outros invocarão a sua interioridade e outros a sua capitalidade. Tendo todos o direito de invocar os seus problemas.

Para além de possibilitar a reforma da administração pública e a correcção de assimetrias espaciais, a regionalização poderá constituir uma oportunidade muito boa para o reforço da cidadania e da participação democrática, motivando e contribuindo para que mais gente competente possa partilhar das decisões. Pois, o espaço regional será um espaço fundamental de articulação e de promoção de competências e, necessariamente, também de formação.

Estou certo que as regiões não vão dividir o país, antes pelo contrário, têm possibilidade de o unir, embora sabendo que há especificidades, porque apesar de ser muito pequeno, Portugal tem no seu seio realidades e situações de oportunidade face ao desenvolvimento muito diversas. Pois o que se torna realmente perigoso para a coesão nacional é a desigualdade, é as pessoas sentirem que são tratadas de forma diferente exacerbando as tensões bairristas e populistas. E a regionalização poderá, no meu entender dar voz a essas tensões de forma democrática e organizada, criando condições que lhes dêem expressão política e expressão pública, permitindo uma maior coesão nacional. A Regionalização poderá assim ser um meio de fazer crescer o país e de transformar a interioridade, em que regiões desfavorecidas como a nossa só puderam sair a ganhar.

Por: Joaquim Nércio

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