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Interior: Os que não resistem e os que não lhe resistem

Dois sentimentos proliferam hoje por entre cidadãos do interior de Portugal no que toca à relação com a sua terra: o primeiro, mais generalizado, parte de um preconceito e de um estigma antigo; o segundo, mais restrito, parte de uma força proactiva que reconhece os progressos alcançados e vislumbra um futuro trabalhoso mas promissor. O primeiro é envergonhado e receoso de uma inferioridade tácita; o segundo é orgulhoso de uma mentalidade sábia e de uma cultura respeitável, apesar de popular. O primeiro é o sentimento dos que não resistem ao interior; o segundo é o dos que, apesar de todas as contrariedades, não lhe resistem e continuam a sonhar com ele.

Os que não resistem ao interior sofrem duplamente do mal português da comparação descontextualizada. Enquanto que um português passa a vida a comparar a sua sociedade com as sociedades de outras nações (…), um português do interior compara, em primeira instância, a sua vila/cidade às cidades do litoral, cotejando-as ainda, posteriormente, às cidades estrangeiras, de forma a criar um sentimento de inferioridade que lhe permita desfrutar da desculpabilizante volúpia da desgraça. Os que não lhe resistem, uma minoria, reconhecem ao interior as limitações que ainda persistem, mas vislumbram para ele um futuro (…). Sem frustrações, conseguem reinventá-lo (…) e construir um lugar de verdadeiro bem-estar.

O grande problema dos “que não resistem” e optam pela via da “auto-flagelação emocional” é que ainda não compreenderam que o interior do século XXI não é o mesmo de há 30, 20 ou mesmo 10 anos. Interior já não é sinónimo de atraso. Em primeiro lugar já dispomos de infra-estruturas (…). Em segundo lugar, vivemos na era da cultura e da informação digitais, o que faz com que um habitante da mais recôndita aldeia da Serra da Estrela possa ter acesso a conteúdos culturais ilimitados, tomar parte da opinião pública do país ou trabalhar para um conceituada empresa de qualquer parte do mundo (…).

Em suma, o complexo de inferioridade profundo, que ainda grassa, deixou já de fazer sentido. Quem vive ou já viveu alguns anos no litoral sabe que já não há razão para esse sentimento provinciano. As vantagens e desvantagens têm de ser vistas pela óptica da naturalidade e da diferença cultural salutar. Obviamente que uma cidade como Lisboa tem muitos mais teatros, concertos, exposições ou oferta comercial que uma cidade como a Guarda. No entanto, também tem mais poluição, stress, droga, criminalidade, elevado custo de vida, etc. Feitas as contas, nenhuma delas terá uma vantagem considerável em relação à outra, no que toca à real qualidade de vida (…).

Daniel Joana

Trancoso

Professor, 24 anos.

Sobre o autor

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