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Inside Job

O passado fim de semana tive como documentário de cabeceira o premiado “Inside Job”. Lá aparecem, o bem tramado, diretor do FMI, Strauss-Kahn com uma visão bastante moderada que esta instituição deveria ter sobre os desfavorecidos e a atual (pouco) “FMInina” Christine Lagarde ainda no papel de ministra das finanças de França, quem diria… Para além destes, brilham eminentes economistas e gurus da economia, os quais enrubescem, gaguejam e incomodam-se quando confrontados com flagrantes conflitos de interesse como é o caso de Frederick Mishkin (governador da Reserva Federal 06/08 e professor na Columbia Business School); Martin Feldstein (arquiteto da desregulamentação que levou à bolha imobiliária); Glenn Hubbard (reitor na Columbia Business School e conselheiro chefe de economia de Bush) e John Campbell, presidente do departamento de Economia de Harvard que muda de cor e transpira quando encostado à parede com o óbvio: que ilustres economistas receberam chorudas compensações para fabricarem e veicularem teorias financeiras, ao sabor de Wall Street e do imperialismo dos EUA.

«Quando você pensa que pode construir algo a partir de nada, é muito difícil resistir», refere Lee Luong, primeiro-ministro de Singapura. «Porque é que um engenheiro financeiro ganha quatro a cem vezes mais do que um engenheiro civil? Um engenheiro real constrói pontes, um engenheiro financeiro constrói sonhos. E quando esses sonhos se transformam em pesadelos, outras pessoas pagam por eles», diz Andrew Cheng, conselheiro da comissão reguladora da banca chinesa.

Por que temos grandes bancos? Porque bancos gostam de monopólio. Porque os bancos gostam do poder do lóbi. Porque os bancos sabem que quando são muito grandes, por muito mal que corram as coisas, eles serão os primeiros a ser ajudados. Desde o fim da Guerra Fria, muito físicos e matemáticos decidiram aplicar as suas habilidades não em tecnologias de espionagem, mas nos mercados financeiros E juntamente com banqueiros de investimentos e fundos criaram “armas de destruição em massa”.

As três agências de classificação de risco – Moody’s, Standard&Poor’s e Fitch – fizeram (e fazem) parte do circo e ganharam milhares de milhão dando altas notações a títulos arriscados. A Moody’s, a maior agência de classificação, quadruplicou os seus lucros entre 2000 e 2007. Moody’s e S&P ganham com base nos seus relatórios de avaliações, e, na altura, a quanto mais títulos eles tivessem dado nota AAA, maiores teriam sido os seus ganhos. Quando as agências de rating foram confrontadas com a suas notações irresponsáveis pelas comissões do Congresso após o colapso, logo proeminentes advogados ao serviço das mesmas, trataram de dizer que «quando dizemos que algo é AAA, isso é apenas a nossa opinião, e você não deve apenas confiar nela». Pois… não devíamos mesmo.

Barack Obama apontou a ganância de Wall Street e as falhas de regulamentação como exemplos de necessidades de mudanças nos EUA. No entanto, passados alguns anos temos nos EUA um governo de Wall Street. Obama escolheu Timothy Geithner para Secretário do Tesouro (foi presidente da Reserva Federal de Nova Iorque durante a crise); o novo presidente do FED de Nova Iorque é William Dudley, o ex-economista-chefe do Goldman Sachs; o chefe de equipa de Geithner é Mark Paterson, um ex-lobista do Goldman; para encabeçar a comissão de negociação de mercadorias futuras, escolheu Gary Gensler, ex-executivo do Goldman Sachs; tanto Martin Feldstein, ideólogo da desregulamentação dos mercados financeiros, como Laura Tyson, são membros do conselho consultivo de recuperação económica de Obama. E o principal assessor económico de Obama é Larry Summers, ex-especulador de Wall Street. Resumindo: os assessores económicos mais graduados são as mesmas pessoas que estavam lá, que construíram a estrutura, desregulamentaram o mercado bolsista e nos mergulharam no caos. Ficou claro que Summers e Geithner ao desempenharem papéis importantes como assessores, iriam manter o “status quo”.

Durante décadas o sistema financeiro americano foi estável e seguro. Mas então algo mudou. O setor financeiro virou as costas à sociedade, corrompeu o sistema político e mergulhou a economia mundial na crise. Com custos enormes evitam-se males menores. Mas os homens e instituições que causaram a crise ainda estão no poder, e isso precisa mudar. Eles vão-nos dizer que precisamos deles, e que o que eles fazem é muito complicado para nós entendermos. Eles vão dizer-nos que não vai acontecer novamente.

E onde estamos nós agora? Estas mesmas agências de “rating” que foram tão condescendentes e irresponsáveis a nível dos EUA, que fizeram parte de um logro que afectou todo o globo, que atribuíram “triple A” a torto e a direito a bancos e seguradoras de bancos em situação de pré-falência, asfixiam agora nações que deram mundos ao mundo da velha e civilizada Europa, num processo pensado e amadurecido por um punhado de merdas de gravata que vêm o euro como alvo a abater. Não digo que não tivesse que se fazer algo, que não tivessem que se cortar algumas gorduras aos estados, mas é mais provável que um punhado de ladrões criados na “stars and stripes” pretenda banquetear-se com os restos de nações centenárias, por pura ganância, à medida que atingem o clímax ao espreitarem no monitor e verificarem que mais uma foi ao tapete, que mais uma entrou nos sete degraus do inferno financeiro, que é como quem diz, nos vários níveis de “lixo”. Entretanto a miséria grassa na Europa e no globo à medida que Maybachs e Bentleys se vendem, como nunca, a banqueiros e yuppies da alta finança, pois esses ganham sempre.

Deste artigo fazem parte trechos do documentário, premiado com o Óscar 2011: “Inside Job”, de Charles Ferguson.

Por: José Carlos Lopes

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