Segundo foi recentemente noticiado pelos órgãos de comunicação social, bastaram cinco dias para a Inspecção-Geral das Actividades em Saúde concluir, que os profissionais do Hospital de Faro tomaram as medidas possíveis e adequadas para controlar a infecção de vários doentes por uma bactéria. Apoiados por peritos em infecciologia, os inspectores concluíram, e a meu ver bem, que não pode ser imputada aos profissionais do hospital qualquer responsabilidade nos oito casos de morte associados à bactéria Clostridium difficile.
A rápida emergência e disseminação de microorganismos resistentes a agentes antimicrobianos é um problema com dimensões de crise nos hospitais por todo o mundo. As causas fundamentais deste problema são compostas por múltiplos factores, mas as questões centrais são claras: a emergência da resistência antimicrobiana tem uma alta correlação com a pressão selectiva resultante do uso indevido de antibióticos e a disseminação de organismos resistentes é facilitada pela transmissão pessoa-a-pessoa devido à inconsistente aplicação de medidas básicas de controlo de infecção.
O atendimento em unidades de saúde apresenta actualmente grande evolução tecnológica. Pacientes que no passado, a sua situação de doença iria evoluir para morte, actualmente não só sobrevivem, como têm boa expectativa de vida, muitas vezes, sem sequelas. Mas existe uma contrapartida, pois esta melhoria no atendimento e avanço tecnológico que aumentou o número de procedimentos possíveis de serem realizados num hospital e que assim tornam possível prolongar a vida, trazem consigo um risco aumentado de infecção.
Muitos destes procedimentos são invasivos, isto é, penetram as barreiras de protecção do corpo humano. E sendo a pele a primeira barreira de protecção do corpo, é esta a que mais frequentemente é afectada por procedimentos hospitalares (como por exemplo a punção de uma veia para perfundir um soro ou para efectuar uma colheita de sangue, bem como a ferida cirúrgica resultante de uma cirurgia necessária). O que nos permite afirmar que uma melhoria no atendimento possibilita maior taxa de sobrevivência, mas têm também o ónus de elevar o risco de infecção.
A infecção hospitalar é um problema grave, de combate bastante difícil, causada por microorganismos patogénicos que se desenvolvem dentro do hospital, e que, portanto, são mais resistentes aos tratamentos. Felizmente, o problema poderá ser minimizado, mas, para isso, é necessária a colaboração de todos. Devendo ser tomadas uma série de medidas, que incluem desde o treino das equipes de profissionais de saúde e de todos os técnicos que estão em contacto directo e indirecto com os doentes, até a cuidados rigorosos tidos pelas próprias visitas dos doentes.
A infecção hospitalar surgiu praticamente junto com os hospitais. E embora para nós isso pareça inadmissível, é importante saber que somente no século XIX se compreendeu que o simples acto de lavar as mãos entre o atendimento dos pacientes poderia diminuir, significativamente, o número de infecções nos hospitais. O simples acto de lavar as mãos com uma solução alcoólica apropriada, é assim hoje tida como imprescindivel para o combate das infecções hospitalares, estando a decorrer por iniciativa da Organização Mundial de Saúde, no Hospital Sousa Martins, bem como um pouco por todas as instituições de saúde do país e do mundo, um programa de promoção da lavagem das mãos.
Nos países desenvolvidos, a cada ano, 10% dos pacientes internados em hospitais contraem infecção hospitalar. Em Portugal o último inquérito a nível nacional sobre infecção hospitalar, feito em 2003 e que este ano se repetiu, felizmente fica um pouco abaixo e aponta para uma taxa de 8,4 %.
Hoje, apesar dos progressos alcançados no que diz respeito ao controlo da infecção hospitalar, inclusive com o desenvolvimento de novos sistemas de prevenção, ela ainda é um grave problema em todo o mundo. Pois se anteriormente os microorganismos venciam em decorrência da precariedade do atendimento e dos escassos recursos, hoje eles proliferam nos hospitais modernos, em consequência da crescente sofisticação e com custos cada vez mais elevados.
A grande maioria das infecções hospitalares têm origem endógena, elas ocorrem fundamentalmente devido ao desequilíbrio entre a flora microbiana normal de um doente e os seus mecanismos de defesa. E esse desequilíbrio é provocado por determinadas doenças responsáveis pela hospitalização, a que se juntam os procedimentos invasivos que constituem “portas de entrada” de microrganismos, bem como o favorecimento selectivo dos germes resistentes exercido pelos antibióticos.
Por razões óbvias todos os hospitais têm, obrigatoriamente, Comissões de Controle de Infecção Hospitalar. Só que infelizmente, a maioria das vezes, os membros que as constituem aceitam apenas que o seu nome faça parte da comissão, mas não exercem qualquer função nesse sentido. Podendo dizer-se mesmo, que são mais uma comissão administrativamente formalizada. Restando assim apenas, a boa vontade de alguns e o bom senso de outros, para que as consciências estejam despertas e algumas medidas sejam tomadas.
Embora a ocorrência de um episódio de infecção hospitalar não signifique automaticamente falta de qualidade dos serviços, a qualidade destes constituem uma importante condição para a sua prevenção e controlo. Competindo às Comissões de Controle de Infecção Hospitalar responsáveis e dinâmicas actualizar-se teoricamente; dar apoio científico-legal a toda a comunidade hospitalar; avaliar todos os cuidados prestados directa ou indirectamente aos pacientes identificando problemas e apontando soluções; medir o risco de aquisição de infecção hospitalar, avaliando prioridades para controlo e promovendo a boa aplicação dos recursos técnicos e financeiros; verificar necessidades de programas educativos e colaborar na sua execução, bem como ser intermediário nas relações do hospital com as autoridades sanitárias.
E porque a saúde é um bem de todos, vamos ser exigentes com os outros mas também com nós próprios, sejamos nós técnicos de saúde, funcionários hospitalares, doentes, visitas ou cidadãos anónimos, contribuindo assim para uma saúde melhor e com menos riscos para todos.
Por: Joaquim Nércio