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Ínclita geração

Vidas

Queremos dar-lhes tudo: as melhores roupas, todos os brinquedos e uma infinidade de oportunidades. Em troca queremos que saibam inglês, que dancem ballet, que toquem um instrumento musical e que sejam os melhores alunos.

Queremos que os nossos filhos façam parte de uma qualquer ínclita geração. Que saibam comportar-se à mesa, que não sejam inconvenientes, que não sujem a roupa, que tenham tudo arrumado, que tenham o sentido da oportunidade, que tenham graça, que tenham sentido de humor, que não sejam lamechas e queixinhas, que não digam asneiras. E é como costumo dizer às minhas filhas:”Não há nada mais bonito no mundo que crianças bem-educadas”.

E esgotamo-nos nestas exigências, que eles nem sempre cumprem. E tenho pena. Não deles, mas de nós pais, que não nos saibamos baixar ao nível daqueles que só conseguem ver o mundo de baixo para cima. E nós a tratarmos as nossas crianças ao mesmo nível, de igual para igual. A apressá-los na nossa falta de tempo, a empurrá-los nas suas fases, a obrigá-los a saltar os dias, a engolir as horas sem as mastigar, a privá-los do paladar dos momentos.

E queremos pô-los no caminho certo, sem os deixar errar e voltar atrás. E apesar de sermos bem-intencionados, vamos na corrente, de olhos postos no horizonte, sem muito tempo para pensar, porque na realidade não há tempo a perder.

Depois, quando a natureza por algum motivo nos trava a correria, olhamos para os nossos filhos de cima para baixo e constatamos que, afinal, são tão pequeninos!

A neve deu-me uma semana lenta este Dezembro. E depois do encantamento com a paisagem de uma cidade vestida de branco, e o desencantamento com a falta de meios para privarmos com ela, deparei-me com tempo para as minhas filhas e, por incrível que pareça, foi difícil.

À parte do facto de terem adoecido, o que as tornou ainda mais crianças e a mim mais mãe, foi difícil lidar com as horas a passarem devagar e a confrontar-me com as descobertas das pequenas coisas.

Sei agora que a cor favorita da Mafalda é o roxo e não o cor-de-rosa, como julgava. Também sei que não gosta de preto porque “é muito escuro”.

A Joana sabe as músicas da Shakira de cor e a coreografia do Loca Loca – coisa que também não fazia ideia, tal como sabe dar cambalhotas para trás – o que eu nunca tinha visto.

Foi-me apresentada uma tal Selena Gomez, de quem nunca tinha ouvido falar.

E de repente até o cabelo da Mafalda me pareceu tão comprido e nem tinha dado conta!

O incrível destas descobertas é que temos a ideia que lhes dirigimos os movimentos e, afinal, tanta coisa acontece nos intervalos.

Nós que pensamos ser progenitores equilibrados, somos, afinal, compulsivos na procura da excelência e temo-nos esquecido de levar os nossos filhos a passear descalços na relva fresca, que é, como quem diz, dar-lhes liberdade para serem só crianças.

Por: Carla Freire

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