Arquivo

Incêndio ceifou seis vidas em Famalicão da Serra

Sérgio Rocha e sapadores florestais chilenos foram traídos pela repentina mudança de direcção do vento

O funeral de Sérgio Rocha, realizado na última segunda-feira, reuniu mais de um milhar de pessoas em Famalicão da Serra. O bombeiro natural daquela aldeia do concelho da Guarda, de 26 anos de idade, perdeu a vida, juntamente com cinco sapadores florestais chilenos, da equipa helitransportada da Afolceca, durante o grande incêndio do passado domingo. Uma rápida e imprevisível mudança de direcção tem sido a causa apontada para este trágico acidente. Entretanto, o jovem agricultor que terá dado início ao fogo quando procedia a trabalhos de limpeza no terreno de um empresário local viu o Ministério Público da Guarda aplicar-lhe como medida de coacção o Termo de Identidade de Residência.

A tragédia ocorreu ao princípio da tarde do último domingo quando os seis bombeiros vitimados se encontravam a combater o fogo, juntamente com outros elementos, quando foram apanhados pelas chamas. Gil Martins, comandante operacional nacional, explicou que a equipa helitransportada da Afocelca com os cinco técnicos chilenos acompanhada por uma equipa terrestre dos bombeiros de Gonçalo estavam a construir um aceiro – que é uma linha de contenção feita através de ferramentas manuais na zona de floresta a partir da qual se pode fazer trabalho em termos de contra-fogo ou de penetração de equipas terrestres – isto numa altura em que o incêndio estava a evoluir encosta acima. Foi então que «terá havido uma rotação de vento. Estamos a falar de uma zona montanhosa que tem vários ventos locais, que não são previsíveis em termos de evolução e portanto houve um aumento da intensidade e da velocidade de propagação do incêndio que terá isolado estas duas equipas», indicou na tarde de domingo. Perante esta conjuntura, «houve alguns elementos da equipa de Gonçalo que conseguiram atingir uma zona de segurança», algo que os cinco chilenos e Sérgio Rocha, que pertencia à secção de Famalicão dos Bombeiros de Gonçalo, infelizmente não conseguiram, tendo ficado cercados pelo incêndio e falecido no local. Aparentemente terá sido desta forma que tudo se passou, mas já está no terreno uma Comissão de Inquérito que integra elementos do Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil, técnicos da Afocelca e o professor universitário Xavier Viegas que estão a trabalhar «tendo em vista o apuramento cabal de como é que se deu este trágico acidente», anunciou António Costa na madrugada de domingo. O ministro de Administração Interna interrompeu uma visita a Rabat, Marrocos, onde representaria o Estado Português na Cimeira Europa – África sobre emigração, para se deslocar a Famalicão da Serra e à Guarda. O governante afirmou que fez «questão de vir pessoalmente à Guarda para apresentar à família do bombeiro falecido as minhas condolências», frisou.

Foram muitas as pessoas que quiseram prestar uma última homenagem a Sérgio José Neto Bica Rocha que se aprestava para terminar o curso de Educação Musical, no Instituto Politécnico da Guarda. Para além de ser bombeiro de segunda classe na secção de Famalicão, o jovem de 26 anos ainda tinha tempo para dar aulas de música em diversas aldeias da zona e ensinar a tocar saxofone no Centro Cultural da Guarda. As cerimónias fúnebres foram presididas pelo bispo da Diocese da Guarda, D. Manuel da Rocha Felício. Para além das perdas humanas, o incêndio provocou ainda bastantes estragos a nível material. Na tarde de domingo, vários populares, sentindo o fogo perto das suas habitações, exclamavam: «Temos aqui o inferno à porta».

Necessidade de pagar carro falou mais alto

Tudo terá começado quando o jovem Tiago Gonçalves, de apenas 18 anos, estava a manobrar uma moto-roçadora numa propriedade agrícola, a fazer trabalhos de limpeza e a lâmina do aparelho embateu numa pedra, o que provocou uma faísca seguida de incêndio. O jovem agricultor natural da aldeia foi detido na zona de Famalicão da Serra após a deflagração do incêndio, tendo passado a noite da cadeia da Guarda, antes de ser ouvido na manhã de segunda-feira pelo Ministério Público de onde saiu sujeito à medida de coacção de Termo de Identidade de Residência. O jovem, que vai responder pelo crime de incêndio na forma negligente, ainda terá sido avisado pelo pai de que era perigoso trabalhar com a máquina com o forte calor que se fazia sentir, mas a ânsia de conseguir arranjar dinheiro para poder pagar a carrinha que comprou há pouco tempo terá falado mais alto.

Ricardo Cordeiro

Sobre o autor

Leave a Reply