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Igreja de S. Vicente

Situada em pleno Centro Histórico, na Rua Dr. Francisco de Passos (antiga rua Direita), a Igreja de S. Vicente está classificada como Imóvel de Interesse Público pelo Decreto-lei n.º 28/82 de 26-02-1982.

De origem medieval, este edifício foi implantado na intersecção das duas principais vias da época, a rua Direita (principal e o mais antigo arruamento da cidade medieval, que ligava as portas Norte, Porta do Curro, e Sul, Porta da Covilhã) com a Rua de S. Vicente e D. Sancho (estes ligavam a Porta da Erva, a Este, com a Porta D’El Rei a Oeste) apresentando desse modo uma localização privilegiada.

Em termos históricos, esta igreja encontra-se já referenciada em vários documentos, pelo menos desde o século XIII, “Por uma relação de igrejas existentes nos reinos de Portugal e Algarves sabe-se que a de S. Vicente já estava aberta ao culto, não sabemos desde quando, no ano de 1321” (RODRIGUES, 2000: 353). Quanto ao seu construtor há razões históricas, embora um pouco vagas, para se poder atribuir a sua construção inicial, ao Bispo D. Vicente, que antes fora mestre Vicente, hábil chanceler do Rei D. Sancho II (RODRIGUES, 2000: 353).

Contudo, este templo, deveria ser de reduzidas dimensões, pelo que foi reconstruído no século XVIII, pelo Bispo D. Jerónimo Carvalhal e Silva, (este Bispo, natural da cidade da Guarda, foi Ministro do Santo Ofício e Inquisidor na Corte, foi transferido de Portalegre para a Guarda em 1772). Este templo foi reedificado no ano de 1790, conforme a lápide patente na capela baptismal. O projecto do templo deve-se a um artista mulato, de nacionalidade portuguesa, António Fernandes Rodrigues que havia estudado em Itália e era professor de desenho na casa Pia, desde 1781 (RODRIGUES, 2000: 353).

Renovada no universo religioso Tridentino, a Igreja de S. Vicente mostra algumas especificidades arquitectónicas que decorrem das Constituições Sinodais. Destas podemos salientar a que recomendava a construção ou renovação de igrejas “apartadas das casas”, para melhor trânsito das procissões. O local ideal estava desde logo salvaguardado: a Rua Direita era no séc. XVIII a grande artéria da cidade (PEREIRA, 1995: 64). Quanto ao edifício, a adequação com o texto verifica-se igualmente em múltiplos valores.

A planta da Igreja de S. Vicente é simples, como aliás se pedia nesse tempo. No exterior, a fachada apresenta-se ladeada por duas elegantes torres sineiras rematadas por cúpulas piramidais, sobrepostas, de base quadrangular, nas extremidades bulbosas, sobre as quais assenta uma cruz apontada em ferro com um grimpo em forma de flâmula. Os pináculos que aparecem a rematar as torres são de formato bulboso e assentam sobre um pedestal quadrangular. Nos cantos vêem-se fogaréus. Os mesmos repetem-se nos alçados laterais esquerdo e direito agora assentes num pedestal quadrangular.

O portal é ladeado por pilastras quadrangulares, de pedestal dórico, rematadas por capitéis jónicos. É ornado com volutas e uma pequena flor ao centro, o ábaco adopta na sua decoração os motivos geométricos – canas. Sobre estes, ergue-se um frontão de lanços onde assenta um fragmento de frontão que termina em voluta. A encimar toda a composição, apresenta-se um frontão contracurvado em arco de querena e a decorá-lo uma voluta misulada, toda ela torneada de motivos vegetalistas, bastante delicados que além de embelezarem, de forma extraordinária o frontão, imprimem movimento ao edifício. A encimá-la uma janela gradeada, para iluminar o interior, cuja emolduração exterior forma uma grega, que no seu desvio pendura-se um pequeno festão. As volutas superiores parecem formar um pequeno frontão, encimando esta, está o orgulhoso brasão episcopal com as armas de D. Jerónimo.

A porta da entrada (de cor verde) apresenta o arco abatido e apenas possui decoração nas almofadas com motivos em C, animando-a um pouco o pequeno festão composto de flores e folhagem entrelaçada, colocado sobre o arco abatido. Para além da porta principal, no eixo da capela-mor, previam-se mais duas, uma em face da outra, nos alçados em tudo idênticas à principal, da mesma cor, diferenciam-se apenas no que respeita à decoração, nestas as almofadas são utilizadas mas sem qualquer decoração.

Nas torres sineiras, existe em cada uma delas um janelo de arco abatido o qual se repete nos alçados, agora em tamanho maior. As ventanas são de arco pleno e decoradas com uma pequena voluta ao centro, guardam os cinco sinos da igreja de S. Vicente, que apenas existem na torre direita. A cruz do remate é trevada e assenta sobre uma base quadrangular, assente numa espécie de voluta. Os muros da fachada e torres são caiados, ao gosto do século XVIII, com excepção dos elementos decorativos.

A sobriedade do exterior em nada denuncia a beleza e a riqueza do interior da pequena Igreja de S. Vicente, de nave única com cobertura de madeira, como se recomendava nessa época. A capela-mor tem sacristia anexa e vira-se a oriente, para que o sacerdote olhe nessa direcção. É mais alta que o corpo da igreja, sendo também antecedida por degraus. A iluminação permite dar sentido a uma liturgia em que são acentuados os valores de representação (RODRIGUES, 2000: 354).

O coro no fundo da igreja, sobre a porta principal, local onde eram entoados os cânticos religiosos, é simples e assenta num arco abatido. Por cima deste, existe uma varanda de madeira castanha dando a sensação de uma balaustrada. O seu acesso faz-se por uma das duas torres sineiras, a da esquerda em escadas de caracol (PEREIRA, 1995: 64).

O risco da talha da Igreja de S. Vicente, talvez se deva atribuir à oficina de José da Fonseca Ribeiro, pela afinidade que ela revela com a Igreja da Misericórdia e com outras obras do artista. A de S. Vicente terá sido entalhada na década de 90 do século XVIII, portanto é já Rocócó, apresentando a exuberância e a assimetria própria do estilo.

Os púlpitos (pequena tribuna elevada na igreja para a pregação), são adossados à parede, na nave central, apenas o da esquerda é usado e o seu acesso faz-se por uma escada metida no interior da parede. O da direita foi ali colocado apenas por uma questão de simetria – note-se que Igreja de S. Vicente é uma igreja totalmente simétrica.

Para além do altar-mor de talha dourada, destaca-se o programa de azulejos figurativos que de acordo com as normas conciliares, transforma os alçados da nave em suporte de mensagens religiosas ortodoxas (PEREIRA, 1995: 64). De fabrico possivelmente coimbrão, este conjunto reflecte a originalidade e fantasia que caracteriza os artistas de Coimbra durante o período rocócó. Uma exuberância decorativa que se manifesta, essencialmente, ao nível dos enquadramentos, muito recortados, e que neste conjunto surgem em tons de amarelo e manganês e nas zonas superiores, a folhagem é verde de cobre.

Os painéis desenrolam-se segundo uma sequência lógica, caso contrário não fariam qualquer sentido, uma vez que, estes funcionavam como suporte de mensagens religiosas, cujos valores icónicos contemplam temas fundamentais da história e doutrina cristãs, apresentados através de uma figuração amável e verosímil (PEREIRA, 1995: 64).

Assim, na capela-mor estão representadas cenas relacionadas com os Passos da Paixão: A Flagelação, os Símbolos da Paixão: cruz, dados, saco do dinheiro, a Coroação de Cristo, a Subida para o Calvário, Pilatos e Cristo: Ecce Homo e a Coroação de Cristo, complementados pelos emblemas de martírio sob a janela e o fingimento de azulejos, pintura a manganês, da porta da sacristia.

Já a nave apresenta um programa mariano, com vários episódios da Vida da Virgem Maria: Nossa Senhora levada para o templo de Jerusalém, o Casamento de Nossa Senhora, a Anunciação, os Símbolos invocativos da Virgem, a Visitação, o Nascimento de Jesus, Outros símbolos de invocação da Virgem Maria, a Adoração dos Reis Magos, a Fuga para o Egipto.

Os painéis da capela baptismal, da mesma época e autor, versam a temática do Baptismo, O Baptismo de Cristo.

Esperamos que os argumentos o convençam e o tragam ao Centro Histórico numa visita de descoberta à bela Igreja de S. Vicente.

BIBLIOGRAFIA

PEREIRA, J. F. (1995) – Guarda, Colecção Cidades e Vilas de Portugal, Lisboa, Editorial Presença.

RODRIGUES, Adriano Vasco (2000) – Monografia Guarda, Pré-história, História e Arte. Guarda, Edição da Santa Casa da Misericórdia da Guarda.

Site da Direcção Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais: www.monumentos.pt

Site do Instituto Português do Património Arquitectónico: www.ippar.pt

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