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Igreja da Misericórdia

Nesta edição o Centro Urbano convida-o a visitar a Igreja da Misericórdia, no Largo João de Almeida, um dos mais belos e imponentes templos da cidade, em pleno Centro Histórico, classificado como Imóvel de Interesse Público desde 1978.

Implantada no exterior do perímetro muralhado, reza a lenda que, a Igreja da Misericórdia, foi construída no mesmo local onde D. Sancho II (1223 – 1247) mandou edificar, sob a devoção de Nossa Senhora da Consolação, a segunda Sé Catedral da Guarda que, séculos mais tarde, D. Fernando (1367 – 1383) mandou arrasar por se situar fora das muralhas e servir como ponto estratégico, às tropas castelhanas, no ataque à urbe medieval.

Já em inícios do século XVII, neste local e já dedicado à Misericórdia, existiu um outro templo. É possível que, esta igreja obedecesse a uma planta de inspiração jesuítica ou filipina, encontrando-se anexa ao hospital velho (Pereira, 1995: 60).

O extraordinário templo que hoje podemos observar remonta ao reinado de D. João V (1706 – 1750), e destaca pela sua imponente fachada.

Este é parte integrante de um conjunto arquitectónico formado pela igreja e anexos assistenciais, adossados ao alçado lateral direito, onde funcionava o Hospital da Misericórdia. De planta em U, destaca-se pelas galerias alpendradas, de recorte seiscentista. Tinha Botica, que se manteve através da actual farmácia

A Igreja, em termos arquitectónicos, apresenta uma planta longitudinal, formada por dois rectângulos justapostos, sendo a nave única mais alta e larga que a cabeceira, com coberturas diferenciadas a duas águas. A fachada principal, voltada para Oeste, é formada por um corpo central flanqueado por torres sineiras, ligeiramente recuadas, num modelo arquitectónico bastante comum na região da Beira Alta. Ao centro, abre-se o portal, ladeado por pilares de capitéis coríntios implantados na diagonal em relação ao frontispício, a que se sobrepõe duplo frontão curvo, e em cujo tímpano se exibem as armas de D. João V. Flanqueiam o portal duas janelas de avental curvo, decorado por motivos concheados. Ao centro da fachada, um nicho profusamente decorado, com colunas de capitéis coríntios, assentes sobre mísulas e encimadas por frontão curvo interrompido, exibe a imagem de Nossa Senhora da Misericórdia. O alçado termina em frontão contracurvado, com fogaréus na continuidade das pilastras laterais.

A distribuição dos vãos das duas torres procura harmonizar-se com os do corpo central, apresentando janelas simples e janelas de sacada ao nível das que ladeiam o pórtico, óculos no segundo registo e, por fim, as sineiras são abertas em arco de volta perfeita. O remate, em cúpula de bolbos, é antecedido por balaustrada.

Sem desenvolvimentos de grande profundidade, a fachada desenha-se num plano único, apenas animado pelo ligeiro recuo das torres, servindo de apoio aos elementos decorativos/escultóricos, “ […] concebidos como peças soltas, reunidas porém sob o efeito da estruturação geométrica […]” (Pereira, 1995: 60), definindo dois eixos, um vertical, central, acentuado pelas torres, e o outro horizontal, com alguma sinuosidade.

O alçado lateral Norte, com embasamento de cantaria, contrasta com o reboco do muro. Apresenta porta no corpo da nave e na cabeceira, com moldura lisa rectilínea, e quatro janelões em arco abatido, com moldura recta, dois no corpo da nave e dois na cabeceira. O alçado lateral Sul é semelhante ao anterior, tendo, no entanto, apenas uma porta e vários corpos arquitectónicos adossados.

Mas o esplendor desta Igreja barroca é também exponencial no seu interior. De nave única, os vãos apresentam molduras em cantaria trabalhada, tal como na capela-mor. A entrada principal é sobreposta pela estrutura do coro, assente sobre um arco em asa de cesto, com acesso pelo interior das torres. O espaço e dominado pelos alçados laterais simétricos, com dois registos, tendo, no primeiro, duas portas de acesso aos confessionários embutidos na caixa murária e porta em vão recto, encimada por pequeno frontão. No segundo, apresenta um balcão lateral de prolongamento do coro, com acesso por porta independente, sendo a varanda rectilínea com saliência semi-circular ao centro, assente em mísula estriada decorada com franjas, apresentando dois arcos abatidos, embutidos na caixa murária. Surgem, ainda, dois janelões com molduras decoradas e frontões, e púlpito com base de cantaria assente em mísula estriada, balcão bojudo e baldaquino coroado por anjo músico.

Os altares laterais e colaterais, um deles em ângulo, têm as invocações de Cristo Crucificado e Nossa Senhora da Conceição, no lado do Evangelho, e São Brás e Santa Ana, na Epístola. A cobertura de madeira apresenta forma em berço. É através do arco triunfal de volta inteira que se acede à capela-mor, exibindo uma cobertura semelhante à da nave, com alçados simétricos, rasgados por porta, dois janelões, sendo o espaço dominado pelos altares dedicados ao Senhor dos Passos e Nossa Senhora de Fátima, além do principal com tribuna.

Na nave, o olhar é cativado pelos quatro retábulos que apresentam altar em forma de urna, tribuna ladeada por colunas caneladas ou de fuste liso com capitéis coríntios, encimados por frontão interrompido, onde assentam dois anjos. O conjunto é coroado por frontão curvilíneo envolvendo resplendor, com decoração palmetada, concheada e laçarias douradas, com superfícies marmoreadas de tom azul, verde e rosa salmão.

As estruturas retabulares da capela-mor têm um cariz menos erudito, integrando o do lado Norte o túmulo do fundador, Simão Antunes de Pina, com jacente de cantaria de cariz arcaizante ou popular, em arcossólio recto, encimado por inscrição pintada sobre madeira e no lado Sul o esquife de Cristo.

O Retábulo principal, com altar em forma de urna contendo tribuna e trono, é ladeada por dois pares de colunas, dois nichos laterais e coluna assente em enormes consolas. As colunas possuem fuste liso e capitel coríntio, sendo a zona inferior dos nichos decorada com querubins, marcada por uma rica gramática decorativa composta por palmetas, conchas, folhas de acanto, laçarias e querubins dourados, sobre superfícies marmoreadas de verde, azul e rosa salmão. Superiormente, apresenta duplo frontão, com anjos, destacando-se as armas e coroa régias. Os pavimentos da nave são lajeados e soalhados e, na capela-mor, de ladrilho recente.

A concepção deste templo é genuinamente Barroca e pode considerar-se como um dos mais belos monumentos da época de D. João V. A sua construção influenciou a construção de vários templos barrocos na Diocese da Guarda, das quais se destacam as igrejas de Mesquitela e Carrapichana, no concelho de Celorico da Beira.

Esperamos que os argumentos apresentados o convençam e o tragam ao Centro Histórico, numa visita de descoberta à bela Igreja da Misericórdia.

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