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Hotel de Turismo

O Hotel de Turismo da Guarda, não sendo especialmente belo, nem confortável, mantém uma forte personalidade. Afinal, tem como modelo a Sé da Guarda e os seus arquitectos procuraram adaptar aquele carácter fortíssimo, único, indecifrável, ao pesado estilo do Estado Novo. Dirão alguns que é uma feia caricatura do original, outros que mesmo assim o Hotel impõe, na Praça do Município, uma presença (quase) tão forte como a da catedral na Praça Velha. Seja então forte e feio. Por mim, mesmo que o Hotel me não cause as mesmas emoções que a Sé, guardo dele boas recordações: foi lá que, fez há pouco trinta anos, ganhei o meu primeiro torneio internacional de xadrez.

A Câmara Municipal decidiu recentemente desfazer-se do Hotel. Creio que fez bem. Um município não tem de fazer concorrência aos privados e os encargos mensais estavam a começar a pesar nos cofres da Câmara. Havia um património que em lugar de trazer rendimento dava despesa e que, ainda por cima, necessitava de um forte investimento para se poder manter em funcionamento com um mínimo de dignidade.

Normalmente o problema seria encontrar comprador, mas no caso até houve excesso de oferta, através de um grupo privado e do Instituto de Turismo de Portugal. Ganhou o segundo, parece, com uma oferta substancialmente menor que o primeiro. A oferta ganhadora, ainda por cima, implica o despedimento de mais de duas dezenas de funcionários e a transformação do hotel numa escola de turismo.

Aparentemente, a proposta do grupo privado era muito melhor: mantinham-se os postos de trabalho e o Estado, representado pela Câmara Municipal da Guarda, realizava mais do que os três milhões e meio de Euros oferecidos pelo Instituto de Turismo. Mesmo que a proposta fosse idêntica, seria melhor para o Estado receber esse dinheiro de terceiros do que pagar a si próprio a mesma quantia – num caso ganhava três milhões e meio líquidos, no outro tira de uma mão para dar à outra.

Sendo isto verdade, o argumento não me impressiona muito. É que, comprado pelo Instituto de Turismo de Portugal, o edifício mantém-se na órbita do Estado, que assim não aliena património. Não se ganharam quatro milhões de euros, mas manteve-se um edifício emblemático e o seu valor continua a ser contabilizado como activo nas contas públicas. Para além disso, a sua transformação em escola traz mais-valias à cidade que ultrapassam em muito as contingências e flutuações das épocas altas ou baixas de turismo. Uma escola implica alunos, professores, formação de profissionais qualificados numa das áreas em que mais precisamos deles.

É verdade que se perderam mais de vinte postos de trabalho. É natural que se recuperem no futuro, com a simples instalação e o início de funcionamento da escola, e que o saldo entre os postos de trabalho perdidos agora e depois ganhos até venha a ser positivo. A questão é que, para já, há vinte e tal pessoas que ficaram sem trabalho e que no actual mercado não é fácil voltar a conseguir emprego. Seria por isso de toda a justiça, e mais seguro (que um despedimento colectivo é ilegal se ao trabalhador despedido não forem pagas, para além da indemnização, todas as quantias a que ele tenha direito, como por exemplo horas extraordinárias em dívida), e mais humano, pagar-lhes mais do que o mínimo legal.

Por: António Ferreira

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