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Hóspede social

“Outrora eu era daqui,

e hoje regresso estrangeiro,

forasteiro do que vejo e ouço,

velho de mim.

Já vi tudo, ainda o que nunca vi,

nem o que nunca verei.

Eu reinei no que nunca fui.”

Fernando Pessoa

Para a ordem jurídica de um determinado Estado, é estrangeiro todo o indivíduo que não seja seu nacional, a saber, todo aquele que possua a cidadania de um outro Estado e todo aquele que não tenha um vínculo de cidadania a qualquer Estado, sendo por isso apátrida.

Como podemos ver, esta definição de estrangeiro, não é acidental. Na verdade, ela dá-nos já conta de uma realidade primeira que o próprio conceito recobre. É o traço distintivo patente neste conceito que aloja a ideia de não pertinência de alguém a uma comunidade estadual que confere ao estrangeiro uma nota de exclusão. Assim, o estrangeiro é, pois, antes de mais, aquele que não pertence ao conjunto de indivíduos que possuem uma mesma língua, raça, religião e costume, é todo aquele a quem uma determinada comunidade estadual não reconhece a condição de membro.

Se inicialmente nas sociedades primitivas, o estrangeiro, uma vez que não participava da comunidade estadual, era considerado o inimigo (hostes), não lhe sendo por isso reconhecido nessa sociedade qualquer direito, com as mutações históricas, a condição do estrangeiro, sofre grandes alterações. Depois da Revolução Francesa e com a afirmação de direitos entre todos os homens, passou-se a reconhecer o princípio da igualdade entre nacionais e estrangeiros no que toca ao gozo dos direitos civis e, já no nosso século, o estrangeiro veio também a dispor de um estatuto próprio à face do Direito Internacional. No entanto, apesar do estatuto que o estrangeiro goza no ordenamento jurídico internacional, é também de salientar que esta ordem jurídica não pode impor aos estados a abertura do seu território aos estrangeiros nem impedi-los de limitar, se acharem conveniente, a permanência destes no seu espaço. Os Estados têm pois o direito de recusar ao estrangeiro a aplicação de certas regras que se aplicam, geralmente, aos nacionais e têm ainda o direito de lhe impor regras especiais. Dito por outras palavras, a discriminação contra o estrangeiro não é pois proibida pelo Direito Internacional.

Perante esta realidade, questiono-me: terão sido assim tão grandes as alterações que o estatuto de estrangeiro sofreu desde o seu estado inicial ou continuará ele ainda hoje a ser um hostes na nossa sociedade? Como se justifica que os jornais continuem a passar diariamente situações que envolvem actos de discriminação terríveis em relação a estrangeiros? Porque é que continua a existir uma segregação entre as comunidades estrangeiras e os nativos? Como é que se justifica que o estrangeiro continue a ser explorado e a não usufruir de alguns direitos cívicos?

A identidade e alteridade do estrangeiro é respeitada?

O problema da emigração é, de facto um problema bilateral porque, se por um lado, a comunidade nacional sente a sua identidade, a sua cultura ameaçada pela identidade do hetero, do estrangeiro, isto é, pela sua alteridade, pela diferença e pela diversidade do estranho, por outro lado, também o estrangeiro sente estas mesmas ameaças, no entanto de forma mais incisiva, pelo facto de se encontrar em minoria num país e numa comunidade à qual não pertence.

Enquanto a identidade e a alteridade de qualquer indivíduo for violada, quer se trate ou não de um estrangeiro, enquanto se responder com agressão à diferença e à diversidade, enquanto não se respeitar a auto e hetero- entidade, a liberdade e a igualdade entre todos os homens, proclamada pela Revolução Francesa, estará seriamente posta em causa.

Para finalizar, coloco ainda outra questão: será mesmo necessário o homem deslocar- se espacialmente do local onde nasceu ou onde habita para outro, para ser designado de estrangeiro? Quantas e quantas vezes nos sentimos estrangeiros no nosso país, na nossa sociedade e até dentro da nossa própria casa? Não seremos nós eternos hóspedes no mundo?

Por: Cláudia Fonseca

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