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Hoje é o dia mais chato do ano

observatório de ornitorrincos

Esta semana foi rica em efemérides. Começou (na segunda-feira) com o centenário do nascimento de Chostakovich e acabará (domingo) com o cinquentenário do início de Outubro de 1956. Curiosamente, a meio da semana (quarta-feira) registou-se o bicentenário da morte de uma camponesa com falta de cálcio algures no Alentejo e o décimo aniversário de um dia em que eu fiz a barba. No fundo, as efemérides e as datas festivas são apenas uma questão de prioridades. Por que razão a Ascensão de Nossa Senhora aos céus é mais importante do que a data em que eu próprio fui aos céus pela primeira vez? – se é que os leitores entendem esta metáfora rasca. Segundo os relatórios científicos e a revista Nova Gente é provável que muito boa gente tenha ido ao céu – para manter a imagética a um nível reles – menos vezes que Maria, mas a importância da subida aos cumes paradisíacos parece ter um relevo fundamental no feriadismo nacional. Cada vez que alguém relativamente importante ascendeu ao Céu de uma forma miraculosa, esse dia em Portugal torna-se logo feriado. Se Manuel Alegre tivesse ganho as eleições, já era feriado. Subida ao Céu, milagre, feriado. Daí que muitos rapazes considerem feriado o dia em que alguém dormiu* com eles pela primeira vez. Quando não se tem os anos de experiência pedidos nos anúncios de emprego no Expresso e se é adolescente, parvo e imberbe (perdoem as redundâncias) só por um milagre ao nível da ressurreição de Lázaro é que uma rapariga, por ceguinha que seja, fica realmente interessada em praticar connosco o que até aí só nos estava acessível em VHS (no meu tempo) ou na Internet (hoje em dia).

* (Usei o verbo “dormir” para evitar perguntas embaraçosas aos pais que estejam, de forma estúpida e inadvertida, a ler este texto em voz alta junto dos seus petizes menores de doze anos. Se os miúdos tiverem mais de doze anos, é provável não só que já entendam, como também que lhe expliquem com precisão semiótica os meus inuendos carnais.)

Regresso agora ao tema abordado na primeira linha e imediatamente abandonado para poder insinuar ao leitor que (alegadamente) já tive mais experiências sexuais do que Walt Disney, embora menos do que Rocco Siffredo numa única longa metragem – as efemérides – para referir como são importantes, para nos situar na história e enquadrar o tempo presente, as comemorações dos aniversários “redondos” de nascimentos, inícios de carreira, entradas nas clínicas de desintoxicação e morte de artistas, políticos e outros aventureiros. O pior é se começamos a ter efemérides também sobre Britney Spears ou Al Gore.

Há dias contra o racismo, a favor das mulheres, contra a droga, a favor da água, contra a SIDA, a favor de Santo António. Há dias contra e a favor de tanta coisa que muitas vezes eles acabam por se sobrepor. Por exemplo, a 25 de Abril comemora-se não só o dia do golpe de Estado chamado Revolução dos Cravos, mas também o Dia Mundial do Pinguim. Quer dizer, bem vistas as coisas é uma e a mesma celebração. No próximo dia 5 de Outubro além de ser o Dia da República, é também o Dia Internacional do Professor. Esta justaposição dá-se porque as primeiras aulas costumam ser tão descontroladas como foram os primeiros anos da República, chegando muitas vezes à beira da guerra civil, e porque muitos professores julgam que a única maneira de educar um povo é mudar-lhe os hinos e as bandeiras.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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