P – Como justifica o facto de ainda não ter havido incêndios este Verão?
R – Há muitas ocorrências, só que não são “espectaculares” e, por isso, os fogos não progridem e as televisões não vão atrás. Por outro lado, muitas das pessoas mais velhas, que limpavam os seus terrenos e queimavam os restos, morreram ou estão em lares. As pessoas que faziam a vida rural também são menos. Além disso, voltaram a cultivar-se outros espaços e algumas pessoas estão a emparcelar os terrenos para agricultura ou pecuária. O resultado é que há menos situações de risco, o número de incêndios diminui e as pessoas também vão tendo mais cuidado, o que faz com que muitos incêndios sejam apagados à nascença. Noutros anos só o corpo de bombeiros da Guarda recebia mais de 20 chamadas em pouco tempo. Eram mais de 400 por dia em todo o distrito.
P – As medidas implementadas nos últimos anos são suficientes ou há o risco iminente de se repetir a tragédia de 2004, 2005 e 2006?
R – O risco verifica-se sempre, pois as matas existem e são tão importantes como a floresta. A verdade é que os fogos acontecem porque alguém os inicia. Se for colocado por um pirómano ou por alguém que sabe o que faz, é óbvio que o incêndio progride. E se progredir como em 2003, quando foi do Rochoso a Pêga em quatro horas – percorrendo 20 quilómetros com uma largura de três quilómetros – não há estrutura que o evite. O que há de novo são muitos meios, muito dinheiro usado indiscriminadamente, mas duvido que dure muito tempo. Há muita falta de organização, pois quem organiza tudo isso são pessoas que não estão no terreno. Há helicópteros em tudo o que é sítio e vai-se conseguindo que, enquanto for a feijões, isto se contenha. Olhe-se para os Estados Unidos, que nos vêm ensinar muitas coisas, mas onde há muitos fogos de grandes dimensões e com muitos mortos e danos materiais.
P – Qual é o sentimento dos voluntários relativamente à falta de formação denunciada pela Associação Amigos Bombeirosdistritoguarda.com?
R – Cada um diz o que quer, mas essas pessoas estão mal informadas. Os bombeiros voluntários são, em Portugal, a estrutura com mais e maior formação. Ninguém progride um escalão sem fazer um exame, ao contrário de outros serviços em que se sobe por antiguidade. Este ano, por exemplo, a exigência desse exame levou a que muitos reprovassem, mesmo nesta região. Quem entra numa ambulância tem, pelo menos, 70 horas de formação. Claro que há excepções, mas essa não é a regra. O problema não é a formação, de uma forma geral, mas sim manter o nível da formação, nomeadamente em áreas que não o combate. É o caso das novas tecnologias. Naquele que é o seu trabalho de combate, os bombeiros estão perfeitamente habilitados, o mesmo já não posso dizer de outras forças que também estão envolvidas no combate a incêndios… Os Bombeiros Voluntários da Guarda têm uma formação muito séria e os mais novos são acompanhados pelos mais velhos. Claro que há azares e os acidentes acontecem, mas esses não se controlam.
P – Essa é a maior lacuna do corpo de Bombeiros Voluntários da Guarda ou há outras?
R – Em Portugal estamos a perder uma mais-valia, que é o aproveitamento das sinergias, tendo juntos o socorro, os fogos florestais e urbanos. Outros países, que antes dividiram os serviços, querem regressar a esse modelo, mas nós, que o temos, estamos a destruí-lo a favor não sei de quê. Provavelmente dentro de pouco tempo não temos nada bem feito, teremos oito centrais em vez de uma… Os portugueses é que têm de ver onde estão a ser gastos os seus impostos. De resto, as necessidades dos bombeiros dependem daquilo que o INEM e a Autoridade Nacional de Protecção Civil quiserem que façamos.
P – Há, na Guarda, o risco de ocorrerem incêndios urbanos como o de há semanas em Lisboa?
R – Claro, como no país inteiro. Aqui, o risco existe tanto na cidade como nas aldeias, onde há muitas casas a cair. Mais uma vez digo que os fogos não nascem sozinhos: há cargas eléctricas que, às vezes, são metidas “sem justificação”… A Guarda também pode ser alvo disso. Depois há as dificuldades em chegar a alguns locais com os meios necessários e há verdadeiros matagais dentro de alguns imóveis no centro da cidade.