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«Há uma transversalidade do desemprego e da precariedade a diferentes áreas»

Cara a Cara – Nuno Augusto

P – Que balanço se pode fazer de 25 anos do curso de Sociologia na Universidade da Beira Interior?

R – Creio que o balanço é muito positivo a diferentes níveis, naquilo que tem sido a evolução do próprio curso, procurando ao longo destes anos adaptá-lo o mais possível ao que é a Sociologia e a investigação sociológica a nível nacional e internacional também. Temos níveis de colocação de alunos bastante favoráveis, próxima dos 90 por cento, segundo dados oficiais, e temos alguns resultados muito bons e colocado alunos em vários locais de destaque em diferentes instituições, desde públicas a privadas, como empresas, autarquias e terceiro sector. Creio que essa é a melhor demonstração de que estes 25 anos têm sido muito positivos. É óbvio que as coisas mudam muito em 25 anos, a própria sociologia portuguesa mudou muito ao longo desse período e houve um conjunto de reestruturações da licenciatura, como a criação de mestrados e do doutoramento. Tudo isso veio acompanhar um pouco, não só o que eram as exigência da Sociologia e a investigação sociológica, mas também as expetativas dos alunos nalgumas áreas e as áreas de formação dos docentes porque muitos entraram e já fizeram a sua carreira de investigação aqui. Neste momento, temos apenas dois colegas no departamento a aguardar as provas de doutoramento. Portanto, temos uma equipa praticamente 100 por cento doutorada e isso é também um pouco o resultado da evolução destes 25 anos.

P – Foi uma aposta ganha?

R – Foi claramente uma aposta ganha. De resto, ao longo destes últimos anos tem ficado claro que essa aposta tem vindo a ser cada vez mais ganha porque os resultados têm sido muito bons. Logo na primeira fase temos tido as vagas cheias e isso também é revelador e continuamos a ter uma captação de alunos muito significativa e uma saída sócio-profissional que é muito importante nos dias de hoje.

P – A Sociologia continua então a ser uma área muito procurada?

R – Sim. A Sociologia tem muita procura, contrariando o que é uma ideia feita, geralmente associada às áreas das Ciências Sociais, mas o que percebemos em Portugal neste momento, e os próprios estudos revelam isso, é que há uma transversalidade do desemprego e da precariedade a diferentes áreas, desde as engenharias, medicinas, enfermagens e das ciências ditas duras. Poderemos dizer que os problemas com que nos defrontamos são idênticos aos com que se confrontam muitas outras áreas. Creio que a procura dos alunos é reveladora não só daquilo que tem sido a evolução favorável da licenciatura, mas também a procura de áreas que hoje são mais úteis do que nunca. O contexto de crise social em que vivemos atualmente leva a que as pessoas se interessem cada vez mais por tentar perceber o que se passa e o que leva a este tipo de situações e quais as consequências desta mudança social muito forte e acelerada que temos vivido nos últimos anos.

P – Este contexto de crise é propício a que haja mais trabalho para os sociólogos?

R – Infelizmente, é. Recorrendo a uma comparação, costumo dizer que se houver muita gente doente nós precisamos de mais médicos e precisamos de mais sociólogos num contexto de crise social, que não é apenas económica e todos percebemos que há uma crise social muito grande que afeta as famílias, os modos de vida, as relações entre os indivíduos e entre as instituições, o crescente questionamento de qual é o papel do Estado, bem como qual é o papel das empresas e da sociedade civil. Todo este quadro de discussão, que, na minha perspetiva, é urgente ter em Portugal, obviamente que leva a tornar esta área procurada mas também necessária.

P – Surgiram novas áreas de investigação devido à atual conjuntura económica?

R – O primeiro ciclo foi remodelado frequentemente. Em 2010, fizemos uma reestruturação muito profunda do primeiro ciclo do curso, olhando um pouco para o que tem sido a evolução das licenciaturas em Sociologia em Portugal e particularmente na Europa. Tivemos em conta um conjunto de programas desde as universidades portuguesas às britânicas, francesas e alemãs e portanto tentámos construir, pelas próprias exigências dos processos de internacionalização e das avaliações europeias a que somos sujeitos, uma estrutura de licenciatura coerente com o que é a investigação em Sociologia atualmente, mas também revelando a nossa capacidade para adaptar o que é a nossa investigação e apostando nas nossas áreas fortes de investigação. Nós temos uma formação de banda larga, mas os nossos docentes fizeram e fazem investigação em áreas mais especificas e temos neste momento cobertas praticamente a totalidade das áreas dominantes em Sociologia e também houve essa aposta de criar esta adaptação entre estes dois modelos.

P – O processo de Bolonha também veio obrigar a muitas modificações na estrutura curricular?

R – Como facilmente se compreende, quando se passa de uma estrutura de quatro para três anos, as alterações têm que ser tomadas e um quarto dos timings do curso desapareceu. E, à semelhança do que aconteceu com outras licenciaturas a nível nacional, o que acabou por se fazer foi reduzir, na minha perspetiva com ganhos e perdas obviamente, a multidisciplinaridade e portanto muitas das disciplinas que eram de áreas mais distantes, como os casos das matemáticas e de outras áreas interdisciplinares, acabaram por ser sacrificadas. Acabámos por nos focalizar nas áreas centrais da Sociologia e essa terá sido possivelmente a principal consequência, mas desse ponto de vista não houve uma perda de qualidade. Houve sim uma necessidade de centrar mais os esforços nas áreas dominantes da Sociologia e aqui também acabam por ter muito efeito os mestrados. Nós avançámos com o primeiro mestrado em Sociologia em 1997 e depois construímos três mestrados mais tarde: em Exclusões e Políticas Sociais, Empreendedorismo e Serviço Social e Desenvolvimento Territorial, Cidadania e Inovação e portanto aí é que os alunos vão buscar os níveis de especialização mais fortes.

Nuno Augusto

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