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«Há falta de aposta na música clássica em Portugal»

Cara a Cara – Entrevista

P- É possível fazer carreira de músico em Portugal?

R – É possível. Depende é do nível em que se está a falar. Para um músico sem grandes ambições há sempre a possibilidade de tocar numa orquestra ou de dar aulas. Mas se tiver objectivos mais altos, como ser solista ou fazer recitais, já é muito complicado. Dar um concerto de música clássica é muito difícil em Portugal. Algumas cidades investem um pouco mais, mas há claramente uma falta de aposta na música clássica. Provavelmente preferem apresentar outro tipo de música, algo que atraia mais as pessoas. É um problema cultural que temos no nosso país, principalmente em relação a este tipo de música.

P – O que será necessário para haver um maior reconhecimento?

R – Haver mais concertos e oportunidades para tocar. Há poucos concursos, e estes são um factor importante em Portugal para dar a conhecer os jovens músicos. Actualmente, creio que há apenas um mais conceituado por ano, que é o Prémio Jovens Músicos.

P – Que dificuldades enfrentou ao longo do seu percurso?

R – A vida de um músico é difícil. Há sempre uma dificuldade económica acrescida porque temos que comprar o nosso instrumento, que é muito caro. Como é a nossa “voz”, temos sempre que comprar o melhor. É um investimento que nunca pára. No meu caso, o percurso foi até agora um pouco difícil, com trabalho e muito solitário. Foram muitas horas sozinho a estudar numa sala, fechado de certa maneira para o mundo e a viver um pouco ao lado do percurso normal de um jovem.

P – Está a estudar no Trinity College of Music, em Londres. É necessário ir para o estrangeiro para se ser reconhecido?

R – Em Portugal todos dizem isso e eu sinto que é um pouco verdade. As pessoas olham de outra maneira para nós quando estamos a estudar noutro país. Mas isto, por vezes, não corresponde à realidade, pois tenho muitos colegas que não foram estudar para o estrangeiro e têm um nível de qualidade muito bom. Eu optei por ir estudar para fora porque há outro tipo de condições, além de convivermos com músicos de todo o mundo. O professor é o mais importante, mas o facto de ter boas instalações, uma boa biblioteca e salas de estudo em condições facilitam muito a vida e abrem-nos facilmente as portas. Quando estava na Covilhã e em Lisboa, a biblioteca era um pouco miserável. Tudo o que havia era fotocópias, não me lembro de haver partituras originais nem CD’s.

P – É já um dos violoncelistas com destaque na Covilhã. A que se deve esse sucesso?

R – Creio que ao facto de ter ganho o concurso de Instrumentos de Arco “Júlio Cardona”. Foi a chave para ter algum destaque. Já tinha ganho um segundo prémio no concurso, mas isso foi completamente esquecido. É uma iniciativa em que se deve investir, pois é o único concurso internacional em violoncelo que temos no país, apesar de ter outras modalidades. Espero sinceramente que seja ainda muito mais apoiado para ter maior visibilidade. Deve ser uma aposta da região e ser ainda mais apoiado para poder crescer, pois há muitos bons violoncelistas em Portugal e inclusive na Covilhã.

P – Iniciou os estudos musicais na EPABI. Esta escola já é uma referência?

R – Sem dúvida. E devo dar os parabéns por ainda existir, pois há muitas que já fecharam, como é o caso dos projectos em Almada e Évora. No fundo, a EPABI veio formar uma nova série de músicos e tem dado algumas alegrias à cidade. Já saíram alguns músicos que levaram o nome da Covilhã a todo o país e até para o estrangeiro. Acho que a escola devia criar uma orquestra profissional com antigos e novos alunos, para dar a conhecer o nível da cidade.

P – Até onde gostaria de chegar como músico?

R – Não há limites. Um dos sonhos é tocar numa das melhores formações do mundo, como as Orquestras Sinfónicas de Londres, de Berlim ou de Chicago. Outro era ganhar o concurso Tchaikovsky de Moscovo. Isso seria realmente o paraíso. Vou tentar participar, mas sei que é muito complicado por causa do nível dos participantes. A maioria dos concorrentes começou a estudar música aos 3/4 anos de idade e eu só aos 12. É um sonho, mas vamos ver no que dá.

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