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«Há ainda a ideia de que a violência doméstica é inerente às classes média e baixa, o que é errado»

Cara a Cara – Entrevista: Alexandra Leal

P – Que balanço faz deste primeiro ano e meio de funcionamento do Núcleo de Apoio à Vítima de Violência Doméstica da Guarda?

R: É bastante positivo. Recorreram ao Núcleo até agora 51 vítimas. Poderá parecer pouco, visto que já está a funcionar há ano e meio, mas temos que perceber que numa fase de arranque há toda a logística e uma preparação, que inclui a divulgação e a selecção de entidades onde divulgar. Tudo leva o seu tempo, ainda que os parceiros – a Segurança Social, o Governo Civil, a ULS da Guarda, PSP, GNR e Caritas – tenham também essa função.

P – O último Relatório Anual de Segurança Interna indica que a realidade no distrito está bem acima desse número (360 casos em 2009)…

R: Sim. Outro factor é que na cidade e no distrito da Guarda a violência doméstica é um fenómeno que ainda está algo encoberto e as pessoas têm dificuldade em assumir o problema. Não é fácil denunciar. Há vergonha. Mas reparámos que este ano houve um número muito maior do que no anterior. Há mais pessoas a terem conhecimento de que o Núcleo existe. Além das 51 que se deslocaram às nossas instalações, há quem nos telefona para esclarecimento de dúvidas. Muitas pertencem à classe média alta e nem se identificam. Trabalham e estão habituadas a um certo nível de vida, bem como os filhos, que, ao separarem-se, deixam de ter. Há ainda a ideia de que a violência doméstica é inerente às classes média e baixa, o que é errado. A verdade é que são estas as que mais facilmente se deslocam ao Núcleo por não terem dinheiro, por procurarem apoios sociais.

P – Quando recorrem ao Núcleo apresentam também, normalmente, queixa às autoridades?

R: Das 51 vítimas, 18 apresentaram queixa na GNR ou PSP. O Núcleo é constituído por vários parceiros, nomeadamente as autoridades policiais. As pessoas podem deslocar-se à GNR e à PSP para formalizar a queixa, onde é determinado se devem encaminhá-las para o Núcleo. As vítimas, por sua vez, podem não querer ir ou já estarem a ser acompanhadas por um advogado, por exemplo. Não significa que, automaticamente, tenham que passar pelo Núcleo, ou vice-versa.

P – Qual o perfil da vítima de violência doméstica no distrito da Guarda?

R: Os nossos registos indicam que é maioritariamente do sexo feminino e residente no concelho da Guarda. Está na faixa etária que se situa entre os 25 e os 34 anos, seguindo-se a dos 45-54. Depois a dos 35-44, a dos 19-24, onde estão incluídos quatro casos de violência no namoro, e por fim a de igual ou superior a 65 anos. A maioria possui o segundo ciclo de escolaridade e desempenha uma actividade laboral. A violência é sobretudo física e psicológica, simultaneamente. Seguem-se os casos em que é física, psicológica e sexual. Há seis casos de violência só psicológica e ainda um em que é só física. A vitimação ocorre maioritariamente com frequência diária, mas também há a ocasional, a semanal e, por último, a mensal. Na esmagadora maioria dos casos, os maus tratos são praticados pelo cônjuge ou companheiro.

P – Quais os novos desafios do Núcleo?

R: Passam, essencialmente, por mais divulgação. Estamos a elaborar “flyers” de divulgação para serem distribuídos no distrito. Para complementar o Núcleo temos o projecto “Mais Igualdade, Menos Violência”, cujos objectivos são muito semelhantes. O que os distingue é a possibilidade da equipa deslocar-se ao exterior, para acções de sensibilização na comunidade.

P – O Núcleo conta com quantos profissionais?

R: Tem assistente social, que sou eu, um psicólogo e um jurista. As nossas funções são assegurar as informações necessárias, realizar diagnósticos das situações concretas, encaminhar as vítimas para a melhor resposta e criar condições para a inclusão, qualificação ou reintegração na sociedade. Funciona de segunda a sexta-feira e o atendimento é gratuito e confidencial.

Alexandra Leal

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        doméstica é inerente às classes média e baixa, o que é errado»

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