De 2001 até ao começo desta incursão punitiva em Gaza, morreram, vítimas dos rockets do Hamas, 23 israelitas. No mesmo período foram mortos pelos israelitas mais de 2000 civis palestinos de Gaza. Esta contabilidade macabra não diz quem tem razão neste conflito. Mostra apenas a razão porque a paz tem sido impossível no Médio Oriente. A assimetria de força militar e política é, pelo menos desde 1973, absoluta.
Israel tem o 4º mais poderoso exército do mundo, recebe em ajuda financeira dos Estados Unidos tanto como todos os restantes países do planeta juntos e tem carta branca internacional para fazer o que está interdito a qualquer outro país. Esta assimetria de forças levou Israel a desprezar qualquer possibilidade de uma paz justa e equilibrada. Permitiu que continuasse a expandir colonatos em terra alheia, que continuasse a expulsar palestinianos das suas casas, que recortasse a Cisjordânia com um muro e que, em acções militares, adoptasse uma definição tão ampla de alvos militares que só encontra paralelo na de uma qualquer organização terrorista.
Com tamanho ascendente político e militar, Israel minou a própria organização dos palestinianos. Começando por um boicote premeditado à sua economia e acabando na ingerência sistemática na sua vida política. No final dos anos 80, financiou o Hamas, uma organização então quase inexistente, com o objectivo de enfraquecer a OLP de Arafat. Em 2006, por pressão internacional, a Palestina realizou eleições. Um feito extraordinário: ocupada e em guerra, preparava-se para ser a primeira democracia árabe. Acto contínuo, Israel conseguiu que o mundo o seguisse no isolamento internacional do governo recém-eleito. Impediu assim que os árabes acreditassem que a democracia, em vez das bombas, compensa. Promoveu a guerra civil, apoiando agora a Fatah, separando os dois territórios da Palestina e enclausurando Gaza, que definha há meses no caos e na miséria. O caldo ideal para o desfecho, preparado há meio ano, a que agora assistimos.
Garantido que nenhuma solução de poder é viável no que resta da Palestina, mantendo preso o mais popular dirigente palestiniano vivo (Marwan Barghouti, da Fatah) e alimentando líderes fracos que dependam de Israel e dos EUA para se manterem no poder, de um lado, e fanáticos irresponsáveis, do outro, Israel domina todas as peças deste xadrez.
A paz tem de ser mais do que um papel assinado. Exige justiça e equilíbrio. No caso deste conflito, passa pela aceitação, mesmo que com pequenas modificações, das fronteiras de 1967; Jerusalém como capital dos dois Estados; fim dos colonatos; negociação da situação dos refugiados; ligação física entre a Cisjordânia e a Faixa de Gaza; e reconhecimento do Estado de Israel pelos países árabes. Tudo isto está muito longe do que foi prometido aos palestinianos há 60 anos. E, no entanto, Israel não aceitaria conversar nestes termos. Porquê? Porque nem a pressão internacional nem a situação no terreno o obrigam.
Só uma coisa poderia mudar as regras deste jogo viciado: que existissem democracias árabes com governos obrigados pelos seus povos a maior firmeza, em vez da retórica da indignação acompanhada da cumplicidade prática de egípcios e jordanos. Aí sim, Israel teria tudo a perder. É com pena que o digo: só algum equilíbrio entre os dois lados poderá levar Israel a querer mais do que uma rendição palestiniana. Só o medo da guerra poderá construir a paz. E esta tem sido a tragédia do Médio Oriente.
Por: Daniel Oliveira