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Guarda peitoriana

Observatório de Ornitorrincos

Num esforço de produção intelectual igual a tantos outros e irrelevante para o futuro do país, pretendo aqui questionar uma realidade aparentemente transparente e sugerir algumas hipóteses de trabalho que permitam a resolução futura de algumas incógnitas conceptuais dessa problemática epistemológica lusófona que tem apaixonado gerações de investigadores nacionais e internacionais, os rebuçados do Dr. Bayard.

Os rebuçados do Dr. Bayard são feitos de açúcar, glucose, alteia, mel e xarope de plantas medicinais. Aqui surge a minha primeira dúvida. Será de fiar um médico cuja principal missão na vida foi inventar rebuçados? Um verdadeiro médico (ou bioquímico ou farmacêutico) não prepararia rebuçados com plantas, mas sim com um composto de trinta e cinco produtos químicos. Esta aproximação à medicina alternativa leva-nos a crer que o Dr. Bayard possa ter estudado na mesma universidade que concedeu o doutoramento ao Prof. Karamba.

No papelinho plastificado que embrulha cada um dos rebuçados encontra-se material que daria para uma investigação que não cabe aqui por falta de espaço, tempo e barriga para tanta glucose. Optei, por me parecer uma questão central nestes tempos de desordem iconológica e semiótica, pela interpretação da imagem central que ocupa o invólucro do referido doce. Repare-se no centro do papel: pode-se ver um homem adulto. Não quero aqui retomar a polémica iniciada entre Pierre Bourdieu e a dupla de Coelhos, Lena e Prado, que incendiou o mundo académico no final dos anos 70 e ficou conhecida como “a luta da idade”. Interessa essencialmente compreender a imagética que lhe está associada. O homem está representado no centro de um quadrado vermelho, cor associada ao desejo e à luxúria, e aparece ao leitor infragónico com uma atitude que tem sido ambiguamente interpretada pelas teorias aproximativas da psicanálise. Nos lados esquerdo e direito do quadrado que circunda a cor vermelha já referida – quando se observa a figura do homem na posição que socialmente é mais bem aceite – encontramos o nome de Dr. Bayard. É aqui que se encontra a novidade empírica desta discussão. Sabe-se hoje, depois das investigações de Goffman e Toy sobre o self, que a representação denotativa do próprio nome em papéis de rebuçados é uma forma de afirmação social. De seguida, a palavra PEITORAIS escrita em maiúsculas por cima e por baixo da figura masculina conduz à tese central e de ruptura apresentada neste mini-ensaio (não confundir com mini-saia). Tem sido consensual na comunidade científica a interpretação de que a figura mostra um homem espantado com os peitorais da Dolly Parton. Com base em dados empíricos que ninguém vai verificar, afigura-se como provável que o homem que se vê no papel de embrulho dos rebuçados do Dr. Bayard esteja a tossir. Atrevo-me também a sugerir que a inclusão da palavra PEITORAIS está relacionada com o estratagema masculino comum de fingir que se tosse para se debruçar sobre um decote. Quem nunca o fez que atire o primeiro chupa-chupa.

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EU VI UM ORNITORRINCO

Artista plástico contemporâneo

Uma das subespécies menos socialmente modificadas. Tem pouco contacto com a água e com a luz do dia. Tem várias partes do corpo pintadas, amassadas ou mesmo furadas. Usa vocabulário só compreensível para seres da mesma subespécie. Aprecia elogios e tem inteligência rara e superiora. As suas obras nunca são más. Quando muito são incompreendidas. Usa todo o tipo de material no seu trabalho, desde plasticina a bidões de lixo. Alguns caçadores apreciam mais a sua aparência fora do comum e o seu discurso inconformado que os amontoados carecidos de sentido que lhe saem das mãos.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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