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Greve… mas só para alguns

Todas as profissões têm direito à greve, mas algumas têm mais direito do que outras. A indignação pulula pelo país fora contra o “crime” que professores se preparam para perpetrar contra alunos em ano de exame. Esta é a visão maniqueísta dos media e de alguns pseudo-comentadores que grassam em tudo o que é púlpito mais ou menos mediático. Parabéns pelo vosso cinismo… Não me recordo de os ver com a mesma atitude inequívoca com greves de estivadores, que mantiveram um país à mingua do export/import, médicos, que adiaram operações ansiadas há meses, polícias, que fizeram vista grossa a comportamentos perigosos na estrada, “transtejos”, “metros” e “carris”, que impediram milhões de pessoas de ir ganhar a vida, pilotos da TAP, que deixaram em terra milhares, camionistas que bloquearam estradas; et cetera, et cetera… Não me lembro de atirarem com o “bicho papão” da requisição civil nessas ocasiões e estiveram em causa necessidades bem mais imperiosas do que a realização atempada de exames nacionais. Nunca vi, nessas ocasiões, comentadores reprovar, tão veementemente, esses comportamentos como os vejo fazer, agora, com os professores. Estará tudo louco? O que é que qualquer greve que se preze, no serviço público, tem que ter, para além de reivindicar direitos? O efeito colateral de afetar terceiros como forma de pressionar os empregadores. Caberá na cabeça de alguém que uma greve possa ser eficaz se não tiver estes efeitos? É por tudo isto que tenho muita dificuldade em aceitar as críticas, por parte de pessoas com cargos de responsabilidade que não hesitaram em levantar a sua voz contra esta posição de força que os “stores” têm intenção de vir a tomar.

Para além da lamentável tomada de posição de uma láctea ex-ministra da Educação, de um micro-surfista cheio de “nóia” arvorado em comentador, entre outros burgueses, dou com a opinião de um tipo, no pasquim diário mais lido no país, o qual, revelando a ignorância relativamente às razões do processo em curso, refere que «os alunos candidatos à universidade não são como os utentes da carris que, em dia de paralisação, têm de optar pela bicicleta ou pelo táxi. Permitir que os alunos sejam usados, pelos sindicatos, como reféns para a guerrilha política é uma vergonha para a classe». Queria dizer ao senhor Coutinho que em nenhum momento está em causa a realização dos exames, os alunos fá-los-ão a tempo da Universidade, apenas noutras datas; que os professores estão num processo de greve tão ou mais legítimo do que os que acima mencionei; que dificilmente encontraria docentes dispostos a fazer greve sabendo que a sua ação poderia ter consequências irreversíveis para os seus alunos; que é exatamente por termos sido sempre demasiado “soft” que temos vindo a realizar greves inócuas. Mas desta vez basta! Resta-me dizer-lhe que, escola que se preze, desfaz rapidamente as dúvidas e tranquiliza os alunos. Esse é também o papel de cada professor neste momento. Parece-me é que haverá por aí alguns pais mais ralados em ter que adiar férias ou fins de semana prolongados do que com o percurso escolar dos seus filhos. Se estão mesmo preocupados com os educandos, apoiem neste momento complicado os professores que são quem, juntamente convosco, passa mais tempo a ajudá-los a crescer (sensu lato). Por último, senhor que debita no correio pela manhã, não confunda guerrilha política com luta legítima por postos de trabalho. Parece-me que terá experiência suficiente para saber reconhecer a diferença… a não ser que a falta de motivação que deve ser escrever “nisso” o esteja a deixar ficar enferrujado.

Por: José Carlos Lopes

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