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Grandeza e decadência

Teatro Egytaniense, Colyseu da Beira e Cine-Teatro divertiram gerações mas tiveram finais trágicos

Os espaços culturais têm na Guarda uma história de apogeu e declínio. Do Teatro dos Bombeiros Voluntários ao “casarão” do Coliseu da Beira, passando pelo “Terrasse Halley” e pelo funesto Cine-Teatro, os nomes das salas que divertiram gerações invocam hoje o frenesim cultural da cidade, das suas colectividades e forças vivas. Curiosamente, a maioria nasceu do empreendedorismo privado.

Não era bem o caso do Teatro Egytaniense, surgido no final do século XIX, por obra e graça da direcção de então da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários da Guarda, com o apoio da autarquia. Na altura, o executivo justificou a sua colaboração por considerar que a falta de tal «melhoramento» era uma «vergonha» para a cidade sendo há muito reclamado por «todos os munícipes inteligentes». Situada numa travessa da Rua Augusto Gil, perto da Praça Velha, a sala, orçada em cinco contos de réis, abriu portas a 14 de Agosto de 1886 com a peça “Os Fidalgos da Casa Mourisca”. Rezam as crónicas que foi um sucesso, a que se seguiram outros com as melhores companhias de teatro do país e algumas zarzuelas espanholas. Mas o primeiro palco da cidade também foi utilizado por grupos amadores e estudantes do liceu, tendo ainda acolhido um comício republicano em 1906. Constantemente na corda bamba da gestão, o reinado do Teatro Egitaniense começou a esmorecer no final da década de 10 com o surgimento dos cinematógrafos e sobretudo do polivalente Colyseu da Beira.

Colyseu da Beira

A sala da Rua Vasco da Gama passou a ser a principal da cidade, beneficiando de uma maior lotação, cerca de 1.200 lugares. Mandada construir pela firma Proença Júnior & Companhia, foi inaugurada em 1911 apresentando uma forma circular, com uma pista no centro, e um grande palco numa extremidade cuja boca de cena tinha seis metros por nove de largo. Acolheu espectáculos de teatro e circo, bem como sessões de cinema. O Colyseu da Beira fechou por altura da primeira Grande Guerra e reabriu de “cara lavada” em 1918, integrando o roteiro das principais companhias de teatro e da revista da época. Ali aconteceram também os primeiros recitais de ópera com a soprano Manuela Pinto Basto e de música clássica, mas também o primeiro filme sonoro, “Mam’zelle Nitouche”, exibido a 31 de Julho de 1932. Por entre várias mudanças de gerência, a sala foi encerrada em Outubro de 1944 por já não oferecer condições de segurança, tanto assim que era alcunhado de “casarão”. A Guarda ficou então sem a «única casa que respondia a certas exigências de ordem cultural e recreativa», escrevia nessa altura o semanário “A Guarda”.

Cine-Teatro

Foi sol de pouca dura, já que em Dezembro desse ano foi constituída a sociedade Cine-Teatro da Guarda. Os seus fundadores, António Simão Saraiva, Cândido Dias Lopes, Fernando Gomes dos Santos, José Ferreira da Paixão Júnior, Júlio Xavier e Manuel Conde, ainda se socorreram do remodelado Colyseu da Beira, mas entre 1948 e 1953 a Guarda ficou sem qualquer tipo de espectáculos. Um intervalo aproveitado para erguer o imponente e majestoso Cine-Teatro, com mil lugares, inaugurado com pompa e circunstância a 4 de Julho desse ano. O “Diário Popular” e o “Diário de Coimbra” fizeram deslocar à cidade enviados especiais para testemunharem in loco a monumentalidade da nova sala de espectáculos da Guarda, projectada pelo arquitecto Manuel Alijó. Eles não regatearam elogios e garantiram que dispunha de «acomodações idênticas às das mais modernas casas de espectáculo do país». Regressou então o que de melhor se fazia em Portugal. A Guarda acolhia frequentemente espectáculos de teatro, revista e ópera, mas também a magia do cinemascope. Foi o período dourado de uma vivência cultural sem precedentes, que acabou na década de 60 com o tímido aparecimento da televisão e uma sociedade mais agitada. Os conturbados anos 70 e 80 fizeram o resto, assistindo-se ao afastamento do público e à decadência do Cine-Teatro, que encerrou a 1 de Abril de 1985. Só então a Guarda soube o quanto ficou mais pobre, tendo o auditório municipal proporcionado grandes momentos de cultura a partir da década de 90.

Luis Martins

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