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Governo argumenta contra privatização da TAP

Uma das coisas que mais me perturba, em todos os debates sobre greves, é o argumento de que esta não se deve fazer numa determinada data ou de uma determinada forma pelos prejuízos que causa. Este tipo de posição, que quase sempre vem antecedida por uma declaração de respeito pelo direito à greve, denuncia uma completa incapacidade de compreender a sua função.

A greve, ao contrário, por exemplo, da manifestação, não tem como principal função mostrar desagrado por uma determinada situação ou medida. É um instrumento negocial e político que dá aos trabalhadores e aos seus representantes um poder negocial acrescido que, sem acesso a ela, nunca teriam. E esse poder só é realmente exercido quando a greve tem efeitos práticos e causa prejuízo. E é tão mais eficaz quando mais o fizer. Como o objetivo é levar a uma cedência, é suposto fazer-se greve quando os seus efeitos são tais que aumenta a probidade de cedência. Se o sindicalismo português tem algum problema (e tem muitos), é o excesso de greves simbólicas, de um dia, com um efeito económico quase nulo e tendo o grevista como a sua principal vítima financeira. E com a crescente desmobilização do trabalhador que, muito justamente, deixa de acreditar na eficácia dessa forma de luta. Pelo contrário, a greve deveria ser excecional. Mas quando feita, teria de provocar tal prejuízo que obrigasse o empregador, público ou privado, a ceder. O problema de uma greve não é causar dano. É o contrário.

Não vou debater aqui a legalidade da requisição civil dos trabalhadores da TAP, decidida pelo governo. Não me sinto habilitado para isso. Mas sinto-me habilitado para dizer que a utilização da requisição civil para impedir uma greve tendo como argumento o excesso de efeitos para a economia anula o sentido da greve. E que algumas declarações públicas feitas por pessoas com responsabilidades, que consideram o Natal um período de exceção constitucional, revela que quem diz respeitar o direito à greve na realidade só o respeita na exata medida da sua inutilidade.

Esta requisição civil teve, no entanto, uma utilidade. Revelou a falta de coerência dos que defendem a privatização da TAP. Na resolução em que o Conselho de Ministros determina a requisição civil dos trabalhadores da TAP, são apresentados quatro argumentos fundamentais. Primeiro: a paralisação traz “prejuízos irreparáveis à comunidade em geral e aos cidadãos que utilizam e necessitam de utilizar aquele serviço de transporte neste período” (emigrantes). Segundo: a greve interrompe as “ligações entre o continente e as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, fator incontornável da unidade nacional, atendendo ao imperativo de coesão social e aos danos irremediáveis para a economia daquelas Regiões”. Terceiro: tem “consequências para a economia nacional, em particular nos setores vitais das exportações e do turismo”. Quarto: traz “danos irreparáveis para a imagem de Portugal como destino”.

Se acrescentarmos a relação com os PALOP, onde a TAP é um importante instrumento político e diplomático, temos todos os argumentos contra a privatização dados pelo governo que a promove. O que fará o governo quando os acionistas privados da TAP decidirem, com todo o direito, acabar com voos, vender ativos, interromper atividades especificas ou acabar com algumas políticas públicas? O que fará quando essas decisões afetem os portugueses e em especial os emigrantes? Ou quando for prejudicial para a Madeira ou Açores? Ou afete o nosso turismo e contribua para beneficiar concorrentes nossos? Ou quando contribua para uma má imagem do País? Vai fazer uma requisição civil dos acionistas?

Até surgir esta requisição civil os advogados da privatização defendiam a sua posição argumentando que o mercado e a concorrência já garantiam quase tudo o que temíamos perder. Voos para os PALOP, para os emigrantes, para os Açores e Madeira, para termos turistas, para que a nossa economia funcione. Que a TAP era, no fundo, um luxo de quem não compreendia o que tinha mudado nesta atividade. Ao reconhecer, oficialmente e de forma expressa, os efeitos dramáticos que uma paralisação da TAP tem para a economia, para as regiões autónomas, para os emigrantes e para a imagem do País, de tal forma que há uma requisição civil dos grevistas, o governo deixa claro que todas as razões para ser contra a privatização são válidas. Se é mau durante quatro dias de greve, como pode ser bom para resto das nossas vidas?

Por: Daniel Oliveira

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