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Génova

Em 20 de Julho de 2001 realizou-se em Génova uma reunião do G7, o grupo dos países mais industrializados do mundo. Na altura esse grupo era formado por representantes dos EUA, França, Itália, Inglaterra, Alemanha, Japão, Canadá, União Europeia (apesar de já estarem representados a França, a Itália, a Alemanha e a Inglaterra) e, como observadora, a Rússia. Esta seria formalmente admitida no grupo na cimeira do Canadá em 2002, altura em que este se passou a designar por “G8”.

A cimeira de Génova seguiu-se a uma série de outras: Seattle, Praga, Nice, Washington, Cancun, Gotemburgo. Todas reuniram os países mais industrializados do mundo e muitas tiveram em paralelo uma atracção, um espectáculo único: manifestações anti-globalização.

Estas manifestações tinham uma liturgia e um protocolo. Havia zonas definidas, sendo a “zona vermelha” a da porrada com a polícia de choque. Havia heróis como José Bové, um glorificado, e ultra-subsidiado, agricultor francês, que ganhou notoriedade ao vandalizar um Mac-Donalds em prol da luta anti-globalização. Havia a quase obrigatoriedade de transformar em violência as vozes de protesto contra os países mais ricos do mundo, que depredavam os recursos dos mais pobres em benefício das multinacionais. Soava bem no papel, pesassem embora, ignoradas pela maioria, uma ou duas inconsistências.

Em Génova, 2001, o movimento teve o seu primeiro mártir. Carlo Giuliani, posicionado na zona vermelha, morre, vítima de dois tiros na cabeça dados pela polícia italiana. A manifestação tinha sido a mais violenta de todas, deixando por toda a baixa da cidade carros incendiados, vidros partidos, destroços, detritos.

Cheguei lá de carro num dos primeiros dias de Agosto de 2001. Não encontrei alojamento em Portofino, situada mais a sul, e acabei numa pensão meia manhosa do centro da cidade. Tinham-nos indicado um restaurante a pouco mais de duzentos metros, mas era preciso atravessar a pé uma rua sem iluminação e a minha mulher vetou o plano: lá tive de dar mais umas voltas de carro, pela baixa de Génova. Não havia já qualquer vestígio da última manifestação anti-globalização. Não havia carros incendiados nem vidros partidos. Chegámos tranquilamente ao restaurante, já na hora do fecho, e serviram-nos uma refeição de recurso – mas magnífica.

Na manhã do dia seguinte vimos o que Génova realmente é: uma cidade portuária, cinzenta, algo decadente, algo feia, do Mediterrâneo. Uma daquelas que foram arruinadas pelos portugueses no século XVI, verdadeiros responsáveis pela globalização, como hoje a entendemos, e pela destruição das rotas da seda e da pimenta. Veneza, que também perdeu o mercado do Oriente, resiste hoje apenas porque é bela.

É irónico que os combates de Génova com a polícia tenham tido como protagonistas, embora muito menores, alguns radicais portugueses, assim como é irónico que eu, também português, tenha cruzado em paz as ruas de uma cidade que os meus antepassados, no verdadeiro arranque da globalização, arruinaram. Tem também alguma ironia, mas isso é outra história, o facto de ter sido aquela, a de Génova, a última manifestação anti-globalização.

Sugestões:

Um site: http://paginavermelha.org/documentos/mridocs/genova.htm (puro valor documental);

Outro: http://www.comune.portofino.genova.it/index.asp (que era onde eu realmente queria ir);

Um livro: 102 Minutos (Jim Dwyer e Kevin Flynn, Presença 2005). A história de 102 minutos no World Trade Center, em 11 de Setembro de 2001, contados de instante a instante. Uma leitura que recomendo a todos os radicais do mundo.

Por: António Ferreira

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