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Fuga em Frente

Dizia um general do passado qualquer coisa como isto: “Estou cercado por todos os lados, os flancos ameaçam ceder a qualquer momento, o inimigo tem superioridade numérica e está melhor posicionado. A minha única esperança é o ataque”. Lembrei-me das palavras do general quando ouvi hoje o primeiro-ministro esclarecer alguns pontos do plano de investimentos do governo, o qual promete obras de valor superior a vinte e cinco mil milhões de euros até 2009, a suportar pelo estado e por privados. E lembrei-me porque o retrato do país era tão negro que o que havia a fazer era algo assim, a fuga em frente, ou pura e simplesmente a rendição.

Antes de mais, há que saudar a mudança no discurso. Afinal de contas, nos últimos anos apenas ouvíamos falar em défice e ninguém tinha ainda apontado um caminho minimamente credível para a saída da crise.

Depois, há ainda que saudar as áreas do investimento: aposta maciça na energia eólica, continuação do desenvolvimento da rede de auto-estradas, banda larga, ambiente, requalificação urbana. Cada cêntimo gasto nestas áreas tem garantia de retorno e é gerador de riqueza. Não é também muito difícil de acreditar na possibilidade de criação dos prometidos 120.000 empregos, a concretizarem-se estes investimentos. Portugal, a gastar-se esse dinheiro na forma prometida, será de certeza um país mais moderno e competitivo.

Poderá perguntar-se qual o lugar do défice orçamental no meio de tudo isto, ou de onde vêm esses vinte e cinco mil milhões de euros. Uma resposta possível é que o dinheiro tem de aparecer, mesmo que seja emprestado – tal a urgência em resolver alguns problemas estruturais ou traçar uma linha de rumo para a economia. Mas também há que ver que os investimentos previstos vão ter retorno em sede de IVA, IRS e IRC. Como tem de se entender que a diminuição da factura energética ou a criação das previstas infra-estruturas vai ter um retorno futuro muito superior ao do Euro 2004 ou da Expo 98 – obras de fachada cuja utilidade se esgotou findos os respectivos eventos.

Mas há dúvidas: para quê um novo aeroporto, quando o de Lisboa, eventualmente associado à reconversão de um qualquer aeroporto militar faria muito bem o serviço? E o TGV? Se a ligação a Madrid tem algum sentido, qual o interesse da ligação Lisboa – Porto, que quanto muito retirará uns minutos ao actual horário?

E há a pergunta mais importante de todas, uma pergunta que vale milhares de milhões de euros e de cuja resposta positiva depende a viabilidade de todo o plano hoje apresentado: onde estão as empresas privadas com capacidade para assegurar metade do investimento necessário a tudo isto?

Por: António Ferreira

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