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Fruta Fora de Época

Estamos a tentar sair do gigantesco imbróglio em que os nossos políticos nos meteram e sabemos já que só com sofrimento o poderemos fazer. Desconfiávamos que o interesse principal em jogo na política não era o bem geral, mas só o de alguns, e agora temos a certeza. Vimos a divisão injusta dos sacrifícios a fazer e a imunidade de alguns, a quem esses sacrifícios não foram exigidos e foram, pelo contrário, ajudados. Falo dos bancos e podia falar de outros, como por exemplo da iniciativa que se diz privada mas é claramente parasitária do Estado. Sei é que, no mínimo, não souberam explicar-nos bem a economia dos sacrifícios e que a explicaram tão mal que os próximos tempos prometem ser tumultuosos.

Um dia vai assentar a poeira. Com euros ou escudos na mão, mas poucos, que somos portugueses, vencidas as crises do crédito e do imobiliário, do défice, público e privado, vamos poder regressar a uma vida normal. Vão vender-se de novo casas, a banca vai de novo emprestar dinheiro, as empresas vão outra vez contratar pessoal. Ou não.

É que, paralelamente a estes, há problemas que se mantêm e se agravaram silenciosamente, abafados pelas outras crises. Por exemplo o petróleo: quando rebentou a bolha especulativa do mercado imobiliário, o preço do petróleo tinha batido recordes e atingido quase 150 dólares por barril. Depois veio a crise do crédito, a recessão e, em consequência desta, a diminuição da procura, obrigando o preço a baixar de novo para bem menos de 100 dólares por barril. Hoje, à data em que escrevo, está a 72 dólares o barril, menos de metade do que valia em 2008.

Suponhamos então que acaba a crise e que as empresas e os particulares voltam a consumir, pelo menos tanto como em 2008. E que continuam a aparecer milhões de carros novos na China e na Índia, por cada mês que passa. Acham que o preço da gasolina se vai manter aos actuais preços?

Dizem os especialistas que para manter o actual consumo é preciso cavar cada vez mais fundo, e gastar cada vez mais dinheiro, para encontrar a matéria prima necessária a esse consumo. Por isso foi necessário recorrer às plataformas de extracção em águas profundas do golfo do México. Por isso vai ser necessário extrair petróleo das areais betuminosas do Canadá, só rentável com preços acima de cem dólares o barril. O desastre da BP no golfo do México foi um duro regresso à realidade e mostra que o aumento dos riscos para extrair mais petróleo pode não compensar.

Tudo isto está mais do que estudado e os números são bem conhecidos de todos os que se interessam. Se os combustíveis regressarem a preços de 2008, e isso é mais do que certo, a retoma da economia fica comprometida e os sacrifícios feitos entretanto não servirão de nada se não houver entretanto outros esforços de adaptação.

Há cada vez mais especialistas, Jeff Rubin, por exemplo, a dizer que temos de começar a adaptar-nos a um mundo sem combustíveis fósseis, ou pelo menos com muito menos oferta. Os transportes vão deixar de ser baratos. Vai deixar de haver uvas todo o ano e vamos ter de reaprender a época das peras e das laranjas. Vamos começar a consumir cada vez mais perto e a dar mais valor à terra hoje abandonada. O Mundo vai voltar a ser pequeno.

Por: António Ferreira

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