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Fructidor

1. Na passada quarta feira, decorreu na Embaixada do Reino Unido um “protesto” contra as “acções tomadas” com Julian Assange, o mediático fundador do “WIkileaks”. O assunto foi amplamente divulgado nas redes sociais e em alguns media. Esta acção de rua lembra-me uma outra, que decorreu precisamente no mesmo local. Mas só por esse motivo, como irei explicar. Corria o ano de 1981 e Bobby Sands, um activista do IRA, tinha iniciado a sua greve de fome na prisão de Brendam. O episódio foi tema do filme “Hunger”, de Steve Mc Queen. Em causa estavam os motivos da sua detenção e o tratamento desumano a que foi sujeito. O que motivou uma onda internacional de protesto. Portugal não foi excepção. Houve então uma espécie de vigília junto à embaixada. Estive presente numa das manifestações que lá decorreram. Ainda hoje recordo o ambiente aí vivido. Ora bem, e Assange? Essa figura que muitos idolatram e querem incluir no rol oficial da martirologia dos lutadores pela “liberdade” de expressão e pelo fim da opacidade inerente às conhecidas e amplíssimas razões de Estado. Para que se saiba: o homem é um demagogo nato, utiliza métodos pouco claros, odeia os americanos e quem o contraria. Não é um combatente pela transparência e pela liberdade, mas alguém disponível para inocentes úteis o utilizarem como bandeira. E qual a razão desta trama judicial, transformada em conflito diplomático? Assange foi acusado por diversos crimes sexuais na Suécia. País com quem o RU mantém um acordo de extradição válido. Cabe então perguntar: por que razão haveria de deixá-lo fugir? Porque carga de água haveria de respeitar essa conveniente figura do “asilo diplomático”, usada na América Latina, mas já não na Europa, destinada a proteger, em determinadas circunstâncias, criminosos de delitos menores? Por sinal, o presidente equatoriano que concedeu o “asilo” é um exemplo maior de transparência, respeito pela liberdade de imprensa e direitos humanos no seu país… No entanto, há algo que une estes dois homens: um anti americanismo doentio e que faz as delícias da esquerda desocupada, em busca desesperada de causas… Em resumo, se o protesto anterior contra a arbitrariedade do Estado fazia todo o sentido, esta acção mais não é do que ruído mediático. Destinado a branquear um cidadão pronunciado por diversos crimes e que alguns pretendem transformar em santo cibernético da transparência…

2. Chamam-se cubos e tal!… Épá, isso é muito caro! Preferes viver agarrada o resto da tua vida? E o IMI? E a aceleração das partículas? Pronto, não quero falar dos meus impostos… Olha, uma casa prefabricada moderna!!! Tudo montado!!! Vejam só! A brochura deles! Dois vidros enormes!… Fogão e tudo!!!

3. Um dos grandes défices da Guarda: a ausência de massa crítica. Evidentemente, com outros nomes se poderia qualificar a mesma realidade: défice de cosmopolitismo, falta de visão projectiva, falta de ambição intelectual (sim, é preciso não ter medo dos nomes), paroquialismo, excesso de auto-complacência, provincianismo, ausência de debate de ideias e projectos, receio daqueles que sabem e sonham serem ignorados por aqueles que nem uma coisa nem outra, mas aparecem demasiado. Não é só uma questão de know how. Nem educacional. Nem social. É a cultura, meus amigos, sempre a cultura. Ela tem aqui um peso esmagador, sente-se o quanto ela pode ou não tornar-nos mais humanos, mais livres, mais confiantes. Mas de pouco vale, se escassearem determinadas qualidades humanas que a façam brilhar, que lhe dêem uma razão de ser: a coragem, a elegância, a leveza, a velocidade, a exigência, o acesso a uma vitalidade que não cede perante a repressão. As cidades fortes são aquelas que acreditam em si próprias. Não de uma forma provinciana, ou apropriando-se de um passado e de símbolos que não são os seus, como já vi aqui bem perto. Depois há a questão das elites. Um termo que assusta muita gente, mas sem qualquer razão. Veja-se a História. A existência de uma elite sempre foi determinante para a sobrevivência e o desenvolvimento de comunidades, países, civilizações. A diferença entre uma oligarquia e uma elite é que a primeira exerce o poder em benefício próprio. As segundas encaram o poder como uma realidade inconspícua e pretendem criar valor de que todos possam usufruir. Embora não seja um fenómeno local, vejo algumas pessoas na Guarda manifestarem-se publicamente contra as elites. Como se pressentissem na sua existência uma ameaça, uma afronta, um rebaixamento. Sem nunca perceberem que é graças precisamente à acção cívica dessas elites que um dia todos poderão distinguir, premiar, incentivar os melhores, só porque são os melhores. Sem azedume, sem mais ou menos, porque todos lucrarão com isso. Nas sociedades onde a meritocracia está enraizada enquanto valor inquestionável, não há elites auto-proclamadas, mas reconhecidas enquanto tal pela comunidade. Pelo contrário, onde existe com abundância a falta de humildade e uma erudição de lapela, é quase certo que aí a tirania e o favoritismo hão-de prosperar.

Por: António Godinho Gil

* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

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