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Franceses “reconquistam” Almeida 294 anos depois

Reconstituição histórica culminou programa de promoção do comércio tradicional nos centros históricos da Associação Comercial da Guarda

«Morte aos franceses!». O grito de centenas de pessoas preparadas para defender com a própria vida a praça-forte voltou a ouvir-se em Almeida no último domingo. Durante algum tempo, o marquês de Alorna e outros oficiais portugueses ainda subiram à muralha para falar com os almeidenses, mas em vão… Pouco depois, todas as baterias abriram fogo por ordem de Massena. Os defensores da vila responderam, ao princípio com energia, mas a resistência foi diminuindo até cessar por completo às 16 horas. Mas nesta reconstituição histórica, protagonizada pela Companhia Viv’arte, em colaboração com a Associação Napoleónica Portuguesa e a participação especial do Regimento de Infantaria nº14 (Viseu), a Associação Napoleónica Inglesa e alguns grupos locais, os projécteis que caíram dentro da praça não causaram estragos, só a imaginação e o conhecimento de um pouco de história permitiu vislumbrar as chamas em muitos edifícios.

Foi assim no domingo, 294 anos depois da verdadeira batalha. Tal como em 1810, o bombardeamento intensificou-se e destruiu por completo o paiol junto às muralhas, espalhando o pânico pelas ruas de Almeida. «Fujam! Está a arder o paiol», exclamavam, aflitos, os habitantes. Segundo algumas fontes, morreram cerca de 500 homens entre militares e civis em consequência do cerco. Apesar de tudo, a praça militar defendeu-se com heroicidade, mas era inútil prolongar a luta em tão aflitivas condições. «Não podeis esperar socorros dos vossos aliados; entregai-vos, portanto à generosidade do Imperador e Rei», repetiu o general francês Fririon ao propor ao governador a capitulação da praça. O que veio a acontecer ao cair da noite, quando foi assinada a rendição e o fogo da artilharia cessou. As crónicas contam mais ou menos assim esta batalha, recriada nos fossos e na Praça da República da vila raiana por perto de uma centena de figurantes e actores para o espectáculo de revisitação histórica intitulado “Almeida 1810”. O evento foi o culminar da campanha de dinamização do comércio dos centros históricos levada a cabo pela Associação Comercial da Guarda (ACG) e um dos principais atractivos das comemorações do 194º aniversário da Batalha do Buçaco, que decorreram durante no passado fim-de-semana em Almeida.

Entre risos e gritos, realismo e amadorismo, o episódio foi marcado pela interactividade, envolvendo no drama as centenas de pessoas que estavam a assistir. Até porque a reconstituição não se confinou a um único espaço, tendo sido utilizada toda a zona amuralhada adjacente à praça central da vila. O momento proporcionado teve ainda uma grande dose pedagógica, porque os espectadores ficaram a saber mais sobre um dos acontecimentos mais marcantes da história das Terceiras Invasões Francesas. Actores, cavaleiros, músicos de várias nações (Portugal, Espanha, França, Inglaterra, Escócia e Países de Leste) deram corpo a um espectáculo onde não faltou animação, performance e pirotecnia. Este regresso ao passado teve como ponto de partida o dia 1 de Agosto de 1810 e a proclamação de Massena, duque de Rivoli, aos portugueses, reviveu o cerco à praça-forte a 15 de Agosto, o dramático rebentamento do paiol registado no dia 26 e a capitulação a 28 de Agosto. Tudo terminou com os franceses dentro das muralhas, sendo recebidos pela música do Coro Etnográfico de Almeida, depois de lidas e traduzidas para português todas as novas restrições ou leis. Reza a história que Almeida foi fundamental nas operações bélicas até ao século XIX, sendo sempre cobiçada e vivendo por isso em constante sobressalto. Mas em 1927, com a saída do último Esquadrão de Cavalaria, a vila perdeu a actividade militar que, durante séculos, foi a razão essencial da sua existência.

Patrícia Correia

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