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Fragmentos de frágua

Observatório de Ornitorrincos

Tocam à porta. Abro. Uma senhora pergunta-me: “Conhece Jesus?”. Olho para ela e respondo com firmeza: “Não contem comigo para denunciar ninguém.” Ela volta a olhar para mim com ar inquiridor e repete a questão. Intimidado, utilizo a estafada saída de indicar um amigo do procurado: “Se calhar era melhor falar com a Alexandra Solnado.”

Uma amiga diz-me: “Quero fazer um mestrado caríssimo. Acho que vou ter de vender o corpo.” Respondo com solidariedade: “A mim dava-me jeito uma vesícula nova.”

Tenho uma ideia para uma empresa, especializada em fazer escutas de conversas, utilizando moscas com microfones incorporados. A empresa chamar-se-ia MoscaTel.

Tenho reparado que nos programas cómicos da televisão portuguesa, os Delfins são o alvo musical preferido. Eu gosto que gozem com os Delfins, parece-me até uma necessidade humana básica na base da pirâmide de Maslow. Mas, e os Pólo Norte? Ou os Santos e Pecadores? Não se faz, atirar os ovos todos à mesma besta.

Viajo pela IP5. Á frente, camião TIR. Nas portas do contentor a inscrição infame: TRANSNINFA. É isto, o nosso país. Carregamentos de ninfetas à solta nas nossas estradas e ninguém faz nada. Passamos por uma brigada da GNR que nem sequer manda parar o veículo longo para verificar as guias de marcha.

Nota de um avaliador do Banco do Brasil, mandado para verificar se um pedido de financiamento estava em ordem: «Mutuário faleceu. Viúva continua com o negócio aberto.» Costuma acontecer. Algumas abrem até o negócio ainda durante a vida do cônjuge.

No início da longa viagem no Intercidades de Lisboa para a Covilhã, digo a um amigo (por sms) que estou acompanhado de um caderno de notas Moleskine, dois jornais diários e três nórdicas boazonas, passe a redundância. Resposta imediata (também por sms): “Tudo coisas de usar e deitar fora, portanto.”

Recebo por e-mail uma resposta de um exame universitário, que cito com a reverência devida ao autor anónimo: «É de notar que apesar de muitas diferenças e pontos de vista completamente opostos, ambas as concepções têm algo de comum, isto é, são relativamente parecidas.» Prevejo-lhe um futuro académico brilhante, com o aplauso unânime da escola desconstrutivista pós-moderna.

EU VI UM ORNITORRINCO

Jerónimo de Sousa

Ornitorrinco fossilizado que voltou à ribalta com a produção de mais uma parte do Parque Jurássico. Espécie rara em risco de extinção, tem habitat circunscrito ao Hotel Vitória e alguns centros de trabalho descentralizados pelo país. Também existem importantes nichos ecológicos em Havana, Pyongyang e Vientiane.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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