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«Foram oferecidos, de forma firme, quatro milhões de euros pelo Hotel Turismo»

Pedro Tavares, que faz parte do grupo de empresários que queria adquirir o Hotel Turismo da Guarda – juntamente com José Luís de Almeida e Jorge Leão –, confirma que a Câmara nunca se pronunciou sobre a proposta e conta os pormenores das negociações.

P – Como aparece o projecto do grupo de empresários para a requalificação do Hotel Turismo da Guarda?

R – O projecto nasce da nossa participação no PROVERE, como dirigentes da Guard’ Ar. Juntámo-nos – três amigos – para formar a sociedade inicial que depois iria ser alargada e, com a colaboração de Teresa Vieira, formatámos toda a candidatura. Quando o PROVERE foi aprovado, o projecto aparece como âncora para a Guarda. Todo o processo teve o conhecimento da Câmara e não só do presidente. Houve várias reuniões e a própria Câmara chegou a ser chefe-de-fila da candidatura. Acho muito estranho que venha agora dizer que não conhecia nenhuma candidatura de particulares. Não sei se é desatenção, má-fé ou incompetência. Quando o PROVERE foi aprovado pedimos uma nova reunião ao presidente da Câmara para falarmos de novo sobre o hotel.

P – Em que consistia o projecto?

R – Criar um hotel de charme, mais pequeno do que é hoje. Estava previsto aquilo que chamo de um grande centro para o corpo, de saúde e bem-estar, muito para além de um ginásio, spa ou centros de fisioterapia, e que pretendíamos alargar a mais sócios. Queríamos dar a oportunidade aos sócios do actual ginásio de ingressar no novo, capaz de servir toda a Guarda, e a parte da restauração seria concessionada. Era um projecto inovador: a ideia era que três ou quatro empresas criassem sinergias dentro do mesmo edifício. Falámos com o presidente da Câmara, ainda sem apontar valores. Mais tarde, numa segunda reunião com o presidente da Câmara, disse-nos que estavam a negociar com o Turismo de Portugal e que a ideia era fazer uma escola. Nessa altura achámos bem incluir a escola, para ajudar ainda mais a dinamizar o edifício, o que vinha ao encontro da nossa ideia de dividirmos o hotel em várias partes. Essa seria mais uma.

P – Quando é que ofereceram os quatro milhões de euros?

R – Já muito perto das eleições. Foi oferecido ao presidente, de forma firme, os quatro milhões de euros pelo Hotel Turismo. E era apenas uma proposta inicial. Nessa reunião, o presidente da Câmara não disse nada e ficámos à espera da resposta. Ouvimo-la na campanha eleitoral, quando disse publicamente que tencionava fazer negócio com o Turismo de Portugal. Na altura não disse o valor.

P – A Câmara nunca vos disse o que achava da vossa proposta?

R – Não.

P – Qual foi a vossa reacção?

R – Ficámos estupefactos. Não entendemos como é que não houve qualquer negociação, até porque estávamos à espera que a venda fosse feita por concurso público ou em hasta pública, em que iríamos concorrer. Não entendemos toda esta postura. O que deveria ter sido feito era aceitarem uma proposta, do nosso grupo ou de outro, e, independentemente da venda do hotel, trazer o projecto do Turismo de Portugal para a Guarda. Não era obrigatório que a escola fosse no Hotel Turismo e sendo no hotel não tinha de ser sob propriedade do Turismo de Portugal. Foi mais uma oportunidade perdida pela Câmara

P – Mas o projecto do Turismo de Portugal passa por uma escola-hotel…

R – Andamos novamente a dividir para reinar. Temos uma escola de Turismo em Seia (IPG) e essa sim deveria ser dinamizada. E há outra no Fundão, do Turismo de Portugal.

P – Qual a vossa opinião sobre o negócio e os 3,5 milhões oferecidos pelo Turismo de Portugal?

R – Há um prejuízo para o concelho e há também para os contribuintes. À partida, quando vejo, como cidadão, um investimento público em detrimento de um investimento privado num mesmo local, considero que os dinheiros públicos são mal gastos. A Guarda poderia ter um hotel requalificado e quatro milhões de euros, que no QREN poderia transformar-se no mínimo em 20 milhões em investimento para a Guarda – já que no caso das autarquias é atribuído 75 por cento a fundo perdido, mas é necessário ter disponibilidade financeira para avançar com os investimentos.

P – Considera então que a Câmara podia com esse dinheiro alavancar outros projectos?

R – Exactamente. Poderia criar emprego para a cidade e obras para as empresas. E isso não impediria que o Turismo de Portugal não pudesse também investir na Guarda. Se tem dinheiro para investir no hotel turismo, também o tem para outro edifício. A cidade da Guarda perdeu, no mínimo, um investimento privado de 12 milhões de euros, que era o valor do nosso projecto (para além da aquisição).

P – Acha que a Câmara fez mal em acordar os 3,5 milhões de euros, sem negociar com outros potenciais investidores, e sem lançar um concurso público, saindo o concelho prejudicado financeiramente?

R – Acho que quando se está a vender o que não é nosso – e ainda por cima por um valor mais baixo – deve ser dada, no mínimo, uma explicação às pessoas. A Câmara tem de dizer porque o faz e quais os interesses que estão por trás.

P – Um vereador da oposição disse em reunião do executivo que com esta decisão a Câmara não está a apoiar os empresários da Guarda, mas antes a prejudicá-los. Concorda?

R – Enquanto empresário e presidente do NERGA, o que tenho a dizer é que estou extremamente preocupado. Se o que aconteceu com este grupo de empresários está a acontecer com outras tentativas de investimento na Guarda, começo a entender porque é que a PLIE não arranca. A Câmara tem de explicar se houve ou não mais projectos falados com o presidente ou com vereadores, em relação aos quais também possam vir dizer que não há “provas” de intenção de investimento. Nós, empresários, não estamos habituados a que uma intenção de negócio tenha de ser escrita, que tenha de ser feita uma acta para que no final o presidente a assine. No nosso caso, também acho estranho que na sessão de Câmara tenham sido pedidas provas da intenção de investimento dos empresários quando um deles, José Luís Carrilho de Almeida, deu há meses uma entrevista na Rádio Altitude onde explicou a intenção de investimento e o interesse em lançar uma cadeia hoteleira a partir da Guarda. Foi público. Temos vereadores extremamente distraídos na Câmara da Guarda, parece que não sabem o que se passa na cidade…

P – Ou seja, a proposta feita ao presidente da Câmara deveria ser considerada como se tivesse sido formulada por escrito?

R – Exactamente. Se não é assim, se uma proposta que lhe é apresentada com seriedade por pessoas idóneas não é considerada nem merece resposta, então mais vale pedir a demissão.

P – Acha que estamos perante um executivo que se mostra incompetente na capacidade de desenvolver o concelho?

R – Completamente. Uma desilusão.

P – Se a Câmara tivesse optado por fazer o negócio convosco, o hotel já estaria pago?

R – Já estava pago e certamente que estaríamos neste momento em obras de requalificação e a criar emprego dentro da própria cidade. Estamos a falar de uma obra que seria de um valor superior em 50 por cento ao do hospital da Guarda, que é de 25 milhões de euros.

P- Acha que este é um assunto que deveria preocupar os guardenses?

R – Obviamente. Penso que a gravidade e a leviandade com que são aceites as coisas nesta cidade são da responsabilidade de toda a gente. A população deveria olhar para este negócio e querer saber se é replicado na Câmara. Estou extremamente preocupado com a maneira como a Câmara gere o nosso património e os nossos dinheiros. Penso que já provaram o que sabem em matéria de gestão… É a população da Guarda que tem de exigir responsabilidades. A sociedade da Guarda devia obrigar a Câmara a explicar que interesses estão por trás deste negócio.

«Foram oferecidos, de forma firme, quatro
        milhões de euros pelo Hotel Turismo»

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