A boa notícia é que, daqui a cinco anos, estaremos finalmente livres de Cavaco Silva. É claro que pode ter uma recaída, pode haver uma “vaga de fundo” que o vá resgatar, cinco anos depois do mandato que se seguir ao final deste, à reforma que então deve estar a gozar na vivenda Gaivota Azul, bem pertinho da praia da Coelha. No entanto, se pensar no que aconteceu a Mário Soares, que passou pelos mesmos delírios, deverá ficar quietinho.
Em 2015 vão findar então trinta anos de cavaquismo e será a altura de fazer o balanço geral. Por enquanto, temo-lo reeleito. Não tão triunfalmente como gostaria, mas reeleito. Afinal foram dois milhões e meio de portugueses a escolhê-lo para presidente da república e isso deve valer alguma coisa.
Não queria mostrar aqui o mesmo rancor que ele, no seu discurso de vitória, que a verdade é que não gosto dele e nunca gostei, e tenho de admitir que a sua vitória tem algumas vantagens. Ficamos imediatamente livres da despesa, do incómodo e até da aflição de uma segunda volta e temos a garantia de uma magistratura neutra na presidência da república, tão neutra que não aquece nem arrefece, ao ponto de, atendendo ao que se passou nos últimos cinco anos, poder ser substituída com vantagem por um programa de computador ou por qualquer funcionário.
Outra vantagem é que Cavaco prometeu para depois das eleições esclarecimentos sobre os casos BPN/SLN e da vivenda Gaivota Azul. Sobre o primeiro já escrevi e espero com curiosidade os esclarecimentos. Sobre o segundo tenho ainda mais curiosidade. É que, relatou a Visão, na semana passada, que Cavaco terá feito uma permuta entre a sua antiga casa de férias, a famosa Vivenda Mariani, e a nova, a Vivenda Gaivota Azul. Com a operação, em que os dois prédios terão sido avaliados em €135.000,00, evitou o pagamento de sisa, já que esta apenas teria de incidir, ressalvadas as possíveis isenções, sobre a diferença do valor declarado para cada um dos prédios – isto é, se a Mariani valesse apenas 100.000 e a Gaivota Azul 200.000, teria de pagar sisa sobre 100.000. Por isso, quando declara que as duas têm o mesmo valor, não havendo diferença, não há base para incidir a sisa. (Recordemos aqui o caso de Miguel Cadilhe, algo injustamente obrigado a demitir-se por causa de uma permuta que envolveu um apartamento nas Amoreiras e em que, bem vistas as coisas, nem cometeu ilegalidades). Acontece que no caso de Cavaco a equivalência de preços entre as duas casas é estranha: a Gaivota Azul é mais nova vinte anos, é maior, está mais perto da praia. O que ele fez, se fez, é o mesmo que muitos fizeram antes, num país em que fugir aos impostos é quase uma questão de honra. Talvez seja, mas, que diabos, o homem é presidente da república e até diz que para se ser mais sério que ele é preciso nascer duas vezes.
Advirto que falta aqui informação: não se sabe (não sei), por exemplo, se o valor atribuído à Gaivota Azul se refere ao lote para construção ou para a construção já finda, e esta é uma diferença fundamental. Há também a questão da credibilidade e do aspecto geral da coisa. Quanto á primeira, não nos podemos esquecer da lamentável questão das escutas, ou do recente episódio das acções da SLN; quanto à segunda, bem, o aspecto da coisa indica que se tentou fugir ao pagamento da sisa. Bem sei que ele é muito sério, ou pelo menos o parece, o que vale tanto como as aparências do caso em si. Este, para ser desmontado a favor dele precisa de bem pouco: os documentos do negócio, as facturas do empreiteiro, os comprovativos de pagamento dos impostos, os fluxos financeiros (com comprovativos bancários), avaliações rigorosas (com referência aos preços de mercado na altura), etc. Ou ele pensa que nascemos ontem e nos basta a sua palavra?
Por: António Ferreira
