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Fim do subsídio de desemprego complica situação de ex-funcionários da Delphi

Muitos dos que saíram em dezembro de 2010 já não recebem o subsídio ou vão deixar de o receber nos próximos meses

Ana Melo é uma das ex-funcionárias da Delphi dispensadas no último despedimento levado a cabo pela multinacional de cablagens na Guarda, em dezembro de 2010, que já não recebe subsídio de desemprego. «Deixei de receber o subsídio em novembro e agora estou à espera de uma resposta da Segurança Social para saber se tenho direito ao Rendimento Social de Inserção (RSI)», adiantou a ex-funcionária a O INTERIOR.

Entre desabafos e inseguranças face ao futuro, Ana Melo mostra-se desiludida com a situação atual: «Estive 19 anos na Delphi e sempre gostaram do meu trabalho, mas não consigo arranjar emprego noutra fábrica», lamenta, referindo que já se candidatou «a alguns concursos, mas penso que a minha idade é um entrave». Aos 40 anos, a esperança de conseguir trabalho é pouca e o desespero comanda a luta diária de quem não encontra soluções. Depois de ter frequentado um POC (Programa Ocupacional) até julho e um curso em novembro, com o fim da prestação a sua situação «complicou-se bastante. Felizmente o meu marido está a trabalhar, mas com as despesas que vão surgindo é muito difícil», garante. O marido, também ex-funcionário da Delphi, foi despedido um ano antes e, depois de vários obstáculos, é agora o único sustento do agregado familiar.

As dificuldades pautam também a conversa com outra ex-funcionária, que deixou de receber o subsídio em outubro. «Estou à procura de emprego, mas na conjuntura atual é particularmente difícil», defende a antiga trabalhadora, que não quis ser identificada. No entanto, o pior está para vir: «Não tenho qualquer apoio social e não sei como vai ser daqui para a frente, porque o meu marido recebe a prestação pela última vez nesta altura», adianta. Apesar do casal ter saído da fábrica no mesmo mês, o marido garantiu o subsídio por mais alguns meses, já que o suspendeu no verão, altura em que trabalhou em França. O fim do subsídio de desemprego também calhou em “sorte” a Carlos Tomé, que aufere atualmente «um apoio social (RSI) que dura mais dois meses», refere o ex-funcionário.

«Tenho procurado soluções, mas não está fácil. Há pouco tempo houve uma reunião coletiva acerca de um curso, só que não tinha nada a ver com a minha área de ação laboral», indica, acrescentando que faz «uns biscates na agricultura, também para ocupar a cabeça». O ex-operário evoca o futuro com pessimismo, uma vez que não tem perspetivas de emprego na Guarda ou na região e o RSI não deve ser renovado: «A minha esposa, que também foi despedida da Delphi, começou a trabalhar, pelo que devo perder o direito a este apoio», considera Carlos Tomé. Este “pesadelo” é ainda uma miragem para aqueles que vão receber o subsídio durante mais alguns meses de 2013. Isto acontece com quem suspendeu o subsídio por um determinado período de tempo nestes dois anos – e tem ainda prestações em falta; ou tinha 45 anos ou mais em dezembro de 2010, sendo abrangido pelo desemprego subsidiado durante mais tempo. O “corte” vem mais tarde e, por agora, a rotina é preenchida com esperas, formações e programas ligados ao IEFP (Instituto do Emprego e Formação Profissional).

É o que acontece com uma ex-funcionária que, por se encontrar em licença de maternidade, terá depois direito a mais «quatro ou cinco meses de subsídio», confirma. A antiga trabalhadora, que preferiu não ser identificada, voltará a receber a mensalidade em fevereiro, mas já se mostra preocupada com o futuro: «Só tive praticamente uma proposta ao longo deste tempo todo e fiz uma formação», revela, acrescentando que «se não surgir mais nada, vou recorrer ao RSI». Contudo, a desempregada não se mostra muito confiante na resposta, pois, «apesar do salário do meu marido não ser elevado, deve ser o suficiente para não ter direito», afirma.

Por seu lado, Joaquim Carneiro ainda recebe subsídio de desemprego, já que tinha 47 anos de idade na altura do despedimento. De momento, este ex-funcionário encontra-se a trabalhar no âmbito do FEG (Fundo Europeu de Ajustamento à Globalização), apoio que deveria abrigar 265 dos últimos 318 trabalhadores da Delphi. «As empresas que nos contratassem através do FEG tinham direito a um apoio e nós também. Recebemos o subsídio de desemprego e 30 por cento da entidade empregadora», recorda o guardense, ressalvando que, «se não for contratado no final do programa, recebo o subsídio até janeiro próximo».

O mesmo acontece com Joaquim Barbeira dos Santos, que também faz parte do leque dos maiores de 45 anos. Atualmente, o ex-funcionário da Delphi está a frequentar um curso de formação: «Frequentei um POC durante um ano e continuo a procurar emprego, mas não arranjo e nem sei como vai ser», lamenta. «Como para nós são três anos de desemprego subsidiado, vou receber a prestação até ao final do ano», afirma Joaquim dos Santos. Até ao fecho desta edição não foi possível obter dados do IEFP relativos à situação dos trabalhadores da Delphi dispensados em dezembro de 2010.

Solução pode ser RSI ou reforma antecipada

«Terminado o subsídio de desemprego, qualquer um dos beneficiários pode, em termos genéricos, requerer o RSI ou a reforma antecipada, desde que a sua situação preencha as condições legais para o efeito», adiantou a Unidade de Comunicação do Instituto da Segurança Social a O INTERIOR. Segundo a mesma fonte, a última “tranche” de trabalhadores da Delphi «totalizou 93 casos de desemprego subsidiado».

Delphi dispensou mil trabalhadores num ano

A Delphi laborou na Guarda durante cerca de 30 anos e no auge da sua atividade chegou a dar trabalho a mais de 3.000 pessoas.

A multinacional de componentes e cablagens para automóveis radicou-se na zona da Estação em meados da década de 80, em instalações deixadas vagas pelo fecho de uma fábrica da Renault, uma infraestrutura que está fechada desde final de 2010. O declínio do sector das cablagens em Portugal acelerou no início do século XXI, muito por culpa de custos de produção inferiores nos países de Leste, da crescente introdução de aplicações eletrónicas nos automóveis e de uma maior integração e miniaturização dos componentes graças à nanotecnologia. Na Guarda, o “império” Delphi desmoronou-se paulatinamente desde 2007. Nessa altura, os sinais de quebra de produção foram-se acumulando e dezenas de trabalhadores foram forçados a gozar férias.

Depois vieram as ações de formação para todos os funcionários da empresa e uma paragem total da fábrica da Guarda-Gare. Em fevereiro de 2008, pela primeira vez na história da unidade, a Delphi suspendeu totalmente o fabrico de componentes durante a semana do Carnaval. O pior veio a seguir. Após duas vagas de despedimentos de 700 e 500 operários terem sido adiadas devido a novas encomendas deslocalizadas da Roménia, no final de 2009 acabaram mesmo por ficar sem trabalho 500 pessoas. Até maio do ano seguinte foram dispensados mais 286 funcionários, tendo a fábrica fechado definitivamente as portas no final de 2010 com o despedimento dos últimos 321 trabalhadores. Chegou assim o fim do capítulo Guarda do grupo Delphi, que optou por concentrar a sua produção em Castelo Branco – onde, de resto, anunciou recentemente a dispensa de 300 pessoas.

Fábrica à venda

A Delphi pôs à venda as instalações da sua antiga fábrica na Guarda-Gare. Desde julho passado que um cartaz de grandes dimensões anuncia a intenção da multinacional norte-americana de cablagens se desfazer de uma área superior a 50 mil metros quadrados, dos quais 20 mil são de área edificada.

O negócio está a ser tratado pela empresa especializada Jones Lang LaSalle, em Lisboa, que a O INTERIOR alegou não estar autorizada pelo proprietário do imóvel a prestar informações sobre a venda. Desconhece-se por isso o valor exigido. O que se sabe é que aquele património mantém a finalidade industrial e também que quatro potenciais interessados contactaram a imobiliária desde quinta-feira. De resto, também o município foi previamente informado das intenções de venda da unidade e que o presidente Joaquim Valente e o vereador com pelouro das atividades económicas Vítor Santos estão a acompanhar o processo.

Sara Quelhas Últimos trabalhadores da Delphi saíram há dois anos

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