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Fim de época

1. A situação financeira da Câmara da Guarda é preocupante. Fala-se num passivo de 50 milhões de euros. Curiosamente, este pormenor, que irá condicionar decisivamente o próximo mandato, está arredado da discussão. Quando questionados, os candidatos à autarquia despacham o assunto em três tempos. Regra geral, começam por invocar, como uma espécie de remédio santo, o Programa de Apoio à Economia Local (PAEL), Lei n.º 43/2012, de 28 de agosto, que «abrange todos os pagamentos dos municípios em atraso há mais de 90 dias». Desgraçadamente, o PAEL não resolve o problema de fundo, permite apenas transformar dívidas de curto prazo em dívidas de médio e longo prazo. Em segundo lugar, os candidatos insinuam-se como especialistas na extração de dinheiros do próximo quadro comunitário de 2014-2020, apresentado agora como a nova cornucópia que fará correr rios de mel.

Não haja ilusões: a época das vacas gordas acabou. As migalhas que sobrarem não chegarão para as encomendas e, muito menos, para as promessas, “compromissos” ou “garantias” que alguns candidatos, sem um pingo de pudor, andam por aí a anunciar. Na verdade, chegou ao fim a criação e manutenção de empresas municipais destinadas a empregar amigos e familiares e a contornar regras básicas da contabilidade; de centros culturais às moscas; de boletins camarários para o endeusamento do sr. presidente; de rotundas e esculturas urbanas de utilidade e gosto duvidosos; de grandes festas para animar a populaça; de infraestruturas desportivas sem utilizadores; de misteriosas reclassificações de terrenos; de subsídios para isto e aquilo, etc.

Talvez um bom critério para apreciar a seriedade e credibilidade de cada candidato seja o de verificar de que forma o seu discurso lida com esta triste realidade.

2. A existência burguesa assentava na instituição da carreira – um caminho que se percorria ao longo de toda uma vida de trabalho. As profissões e as ocupações ativas estão a morrer e, provavelmente, serão em breve coisas tão velhas e arcaicas como os estatutos e as ordens dos tempos medievais. Em bom rigor, ninguém sabe aquilo que o futuro nos trará. Tirando meia dúzia de lunáticos, já ninguém acredita na possibilidade de planos de longo prazo. As carreiras, os regimes de pensões parecem hoje um jogo de lotaria. Os (poucos) realmente ricos são os únicos a salvo de uma queda brusca na pobreza. Os outros – que somos todos nós – vivem incertos quanto ao dia seguinte. O igualitarismo do pós-guerra foi apenas um interregno. Hoje, quase toda a gente vive em condições melhores, mas a existência instável da maioria está tão longe das condições em que vivem os mais abastados como na época vitoriana.

Além de um empobrecimento discreto, o fim da classe média é isto: a impossibilidade de fazer planos para o futuro, porque já não há garantias de nada, nem ninguém pode garantir nada.

Por: José Carlos Alexandre

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