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Fim de autocarros alternativos entre a Guarda e a Covilhã desagrada

Habitantes de Belmonte-Gare, Benespera e Barracão queixam-se da falta de alternativas e dizem que ficam mais isolados

Desde a passada quinta-feira que o serviço rodoviário alternativo assegurado pela CP entre a Guarda e a Covilhã deixou de existir. A empresa justifica a sua supressão com «a baixa procura registada» e defende que «não deve ser o operador ferroviário a assegurar as alternativas de mobilidade das populações». A decisão gerou descontentamento junto das populações servidas pelo transporte alternativo e que agora se veem «sem autocarro e sem comboio».

Em Belmonte-Gare, a estação está deserta. «Isto cada vez está pior, se nos lembrarmos do movimento que aqui havia ainda há uns anos e o compararmos com o que é agora, nem parece o mesmo sítio», queixa-se Irene Soares. «É bastante mau terem acabado com o serviço, as pessoas precisam, querem deslocar-se e não há transportes para lado nenhum», refere. «A única alternativa agora é o táxi, mas só para quem pode, pois nem toda a gente tem dinheiro para isso», acrescenta. Segundo esta moradora, ainda havia «bastante gente» a utilizar o autocarro, inclusive pessoas que o faziam diariamente, e a quem o fim deste transporte vai fazer «muita diferença». Irene Soares considera «lamentável e inaceitável que, após gastarem tanto dinheiro na linha, não exista um meio de transporte acessível. Na altura, prometeram que as obras seriam breves e que haveria comboio duas vezes por dia, mas a verdade é que agora ficámos sem nada, cortaram-nos as pernas».

Luís Alexandre também defende que «não deviam ter acabado com o autocarro, porque há pessoas que precisam de se deslocar para a Guarda ou para a Covilhã, muitas vezes para irem ao hospital, e que agora ficam sem alternativas, até porque estamos a falar de uma população maioritariamente idosa e que não tem outro meio de transporte». Este morador diz que «há autocarros para Belmonte, que são a única alternativa possível, mas obrigam a ligações e ficam mais caros, além de que não oferecem a flexibilidade de horários que havia com o transporte da CP». João Cruz, antigo ferroviário, e a sua mulher, Maria Adelaide Baltazar, eram utilizadores assíduos do autocarro para se deslocarem até à Covilhã, onde trabalha a filha. Daí, seguiam depois de comboio até ao Alcaide (Fundão), onde possuem terrenos agrícolas. Com o fim do autocarro, o casal deixa de poder deslocar-se. «Acabava por ser uma forma de passar o tempo, para não estar sempre fechado em casa. Agora, tenho de me resignar e ficar por aqui, não tenho outro remédio», lamenta João Cruz.

«Vou deixar de visitar a minha filha e vejo-me obrigado a abandonar as terras que cultivava. Já entreguei até algumas parcelas a outras pessoas», revela. A sua esposa afiança que «ainda havia bastante gente que utilizava o transporte, não só daqui como das terras vizinhas. Agora, as alternativas resumem-se a um autocarro para Belmonte, mas que só passa de manhã e apenas durante o ano letivo», adianta Maria Adelaide Baltazar. O casal de moradores diz perceber a posição da CP, mas reclama que, «às vezes, deviam ser colocados os interesses das populações em primeiro lugar». E João Cruz sublinha: «Para eles pouparem uns trocos ficamos nós sem transporte e cada vez mais isolados».

Autocarro vai «fazer falta» aos benesperenses

Na Benespera, a população também critica o fim deste serviço. «Vai fazer falta com certeza. Como é que as pessoas daqui vão fazer quando precisarem de se deslocar até à Guarda?», pergunta Olívia Correia. A residente nesta aldeia do concelho da Guarda garante que utilizava o autocarro e, como ela, «muita gente da terra» que ia à cidade fazer compras ou a consultas. «Agora, só se for pedir boleia aos vizinhos que têm carro», refere, criticando o governo «que não olha por quem vive no interior». Depois do fim do comboio e do autocarro, e das portagens na A23, Olívia Correia ironiza dizendo que só já falta «tirarem com máquinas o alcatrão da estrada para ninguém passar para a Benespera». Para José Ascensão, é «uma pouca vergonha, todo o povo se queixa. O transporte vai fazer falta a muita gente, que iam à estação da Guarda, onde há tudo e até podiam apanhar outro transporte para outro lado».

O morador explica que os supermercados mais próximos da Benespera estão lá na cidade, «aqui não há nada, nem uma padaria». Por isso, a única alternativa dos benesperenses é agora o “autocarro dos estudantes”, que passa de manhã e ao fim da tarde, obrigando as pessoas a permanecer o dia todo na Guarda. Já Manuel da Costa chama a atenção para o facto da maioria da população ter mais de 80 anos e não ter carro, nem carta de condução. «Alternativa, não vejo nenhuma. Carros de bois já ninguém tem e para irmos de barco, a ribeira já não leva água», ironiza. Uma dezena de quilómetros mais adiante ouvem-se as mesmas queixas no Barracão. Maria do Céu Ferreira, comerciante vizinha da estação, diz que embora não levasse muita gente da terra, faz sempre falta. «Eu nunca utilizei, porque tenho transporte próprio, mas há muita gente que não tem e dava-lhes jeito saber que podiam contar, em caso de necessidade, com um transporte que passava várias vezes ao dia, todos os dias», afirma.

«Além disso, era um transporte barato e que chegava num instante à estação da Guarda», refere. Contudo, a comerciante mostra-se esperançada de que o comboio volte a passar na Linha da Beira Baixa e que esta seja uma situação «que não dure para sempre».

Transdev está a «analisar» rescisão

Luís Salvador, responsável da Transdev, a empresa que prestava o serviço de transporte alternativo, disse a O INTERIOR que esta foi «uma decisão unilateral da CP, que deixou de querer o serviço, e perante essa situação, nós deixámos de o prestar». O responsável referiu que a CP «apresentou a razão do cumprimento da resolução do Conselho de Ministros 45/2011, que consagra as diretrizes a seguir pelo sistema de transportes nacional», para rescindir um contrato que foi iniciado há cerca de dois anos, e terminava a 31 de Dezembro deste ano. Sobre uma eventual contestação e pedido de indemnização por parte da Transdev, Luís Salvador disse que se trata de «um assunto interno, que está a ser analisado pela administração e que, naturalmente, será alvo de conversas entre a Transdev e a CP», escusando-se a adiantar mais pormenores.

Fábio Gomes Encerrada e deserta: assim se encontra a estação de Belmonte

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        Guarda e a Covilhã desagrada

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