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Festa da Transumância internacionaliza-se

Parceiros espanhóis e franceses em destaque este fim-de-semana em Fernão Joanes

Cada vez mais internacional, a Festa da Transumância, em Fernão Joanes (Guarda), reúne este fim-de-semana investigadores e historiadores portugueses, espanhóis, franceses para debater o futuro desta actividade pastoril ancestral e as suas potencialidades. O programa repete a fórmula de sucesso de edições anteriores, com música, caminhadas, exposições nas Eiras e arruadas de rebanhos, mas o destaque deste ano vai para o lançamento de um livro e para um espectáculo etnográfico no sábado à noite que vai envolver a população local na reconstituição da chegada dos rebanhos transumantes à aldeia.

Contudo, passados quatro anos, o momento não é só de festa nesta localidade serrana, mas também de alguma preocupação quanto ao andamento dos projectos de revitalização das Eiras, de criação de rotas e de roteiros que valorizem o património comunitário legado pela transumância. Daniel Vendeiro, presidente da Junta de Freguesia e da Associação Cultural e Recreativa, promotora da iniciativa, assume que as coisas não estão fáceis e lamenta que demorem a sair do papel por falta de dinheiro e de vontade política: «É assim com a criação de roteiros e de rotas na região, onde nada foi feito até agora, apesar do interesse manifestado inicialmente por diversas entidades. Estamos a sentir a mesma passividade no apoio à requalificação das Eiras. É um projecto enorme que apresentámos no ano passado, mas ficou-se pela maqueta porque não há vontade política para o concretizar», critica. Em contrapartida, o dirigente receia que a autarquia da Guarda esteja a realizar investimentos que «não vão ser rentáveis» noutras freguesias [nomeadamente, centros culturais e salas de espectáculos]. «Se a autarquia soubesse aproveitar o trabalho e o património de certas freguesias era o município que ganhava e se desenvolvia mais», acredita Daniel Vendeiro.

A revitalização das Eiras, uma auto-denominada e preservada “Aldeia Histórica de Animais”, conjunto construído único no país e na Europa onde eram antigamente guardados os rebanhos ali existentes, resulta de uma proposta do gabinete portuense de arquitectos de Fernanda Lage, Miguel Serra e João Figueiroa. A intervenção parte do princípio que o uso agro-pecuário do local constitui um «valor em si próprio, inalienável, devendo ser mantido e reforçado» por valências didácticas e pedagógicas de divulgação e apoio, pela recuperação sustentada do espaço e a disponibilização de equipamentos para turismo rural e de Natureza, mas também para actividades artesanais e tradicionais da região. O projecto está orçado em cerca de 1,35 milhões de euros (270 mil contos), reúne parceiros como a autarquia guardense e o PNSE, e devia ter sido candidatado ao Interreg através da Pró-Raia. A intervenção devia desenrolar-se em duas fases, correspondendo a primeira à recuperação e requalificação das “canadas” e caminhos usados pelos pastores. Está ainda prevista a construção de um centro de acolhimento e informação, centro de interpretação da transumância, “ateliers”, espaços de exposições e colóquios. A segunda fase implica a instalação de um Museu do Pastor, uma unidade de alojamento em ambiente rural, áreas para a criação equina e canina e um parque de estacionamento. «Está tudo pronto para a candidatura», garante o responsável pela ACR de Fernão Joanes, uma aldeia que ganhou entretanto várias esculturas de ferro moldado, representativas de alguns elementos primordiais da transumância, deixadas nas Eiras pelos alunos da Escola Secundária de Soares dos Reis (Porto).

Música, arte, livros e etnografia

A Festa da Transumância 2004, integrada novamente no ciclo dos festivais de cultura popular patrocinados pela Câmara da Guarda, começa sábado de manhã com uma arruada de pastores e rebanhos locais – segundo a organização, já só existem seis -, acompanhados pelos “Talabara”, Grupo Juvenil de Bombos da Capinha. À tarde é inaugurada uma nova exposição com os trabalhos dos alunos da Escola Secundária de Soares dos Reis, seguindo-se a apresentação do livro “Sonhos Transumantes – A Transumância e Fernão Joanes” e do CD “Chamamento”, duas edições da autarquia guardense e da Junta de Freguesia. O primeiro inclui textos de João Paulo Martins das Neves, Alberto Martinho, Santiago Bayon Vera e Guillaume Lebaudy, com fotografias de Arménio Bernardo, que abordam temas como a história de Fernão Joanes e prática da transumância em Portugal, França e Espanha, entre outros. O segundo é o registo do espectáculo “Chamamento”, de Américo Rodrigues, com a direcção de Chus Dominguez, dedicado ao pastor Zé Camilo. À noite as Eiras são o palco da reconstituição da chegada dos rebanhos transumantes, um espectáculo feito de música, contos, projecções de vídeo, um fogo aquático no tanque, mas também das actividades tradicionais da pastorícia. Há depois um concerto de música tradicional europeia com o espanhol Gabriel Calvo. No domingo, tudo começa com uma visita guiada pelas canadas e abrigos naturais dos pastores para depois se retemperarem as forças com o tradicional almoço de homenagem aos pastores. Já o debate “Transumância: Que Futuro?” está marcado para as 16 horas com a presença, entre outros, de Alberto Martinho, Santiago Bayon Vera e Guillaume Lebaudy. A festa termina com a actuação do grupo Quadrilha.

Luis Martins

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