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Férias Judiciais

Se o leitor tiver dado uma casa de arrendamento e o inquilino deixar de lhe pagar a renda, tem urgência em conseguir um despejo. Afinal de contas, tem o capital empatado e não recebe dele o rendimento pretendido. Quanto mais tarde recuperar a casa, mais tempo demorará a colocá-la de novo no mercado de arrendamento. Imagine o seguinte cenário: o seu inquilino atrasou-se uns dias com a renda de Abril, não paga depois a renda de Maio e estamos já em Junho. Você começa a ficar nervoso e telefona-lhe. Que o cheque está no correio, diz ele. Os tempos têm estado maus, como você sabe, e a crise chega a todos. Mas fique descansado: ele nunca ficou a dever nada a ninguém. O problema é que você está reformado, com uma reforma pequena, e investiu as suas poupanças naquele apartamento para ver se assim melhorava o seu rendimento mensal.

O leitor espera e o cheque não chega. Entretanto, chega-lhe a notícia de que o seu inquilino, que deixou de atender o telemóvel, está carregado de dívidas e é um profissional dos calotes.

Vai então, já em finais de Junho, ter com um advogado. A acção entra imediatamente em Tribunal e o advogado aproveita para o informar de que não é a primeira vez que despeja aquele fulano, ao mesmo tempo que o desilude de vir algum dia a receber as rendas em dívida – ou as que se vencerem até ao despejo. Explica-lhe ainda que em 15 de Julho vão ter início as férias judiciais, que estas durarão até 15 de Setembro e que, mesmo que requeira o despejo imediato por falta de pagamento de rendas, só lá para Outubro é que este será previsível. Ainda por cima, diz-lhe o advogado, se ele se lembrar de pedir a nomeação de um patrono a coisa pode demorar ainda mais.

É para casos como este que tem sentido a redução das férias judiciais proposta pelo governo. Inquilinos como o do hipotético leitor poderão ser despejados mais depressa. O ano judicial vai ter mais um mês de trabalho útil, um mês em que os prazos se não suspendem, em que continuam a ser feitas citações e notificações, em que continuam a ser proferidas decisões.

O problema é que esse mês suplementar vai trazer também mais julgamentos e mais diligências, entupindo as secretárias dos juízes com mais decisões a proferir. É que de nada adianta a um juiz fazer mais trinta julgamentos se não tiver depois tempo para dar as sentenças. E não me digam que ele deve trabalhar à noite ou nos fins-de-semana, que se para a justiça funcionar é preciso que os juízes abdiquem da sua vida pessoal e familiar então é porque está mesmo tudo errado (e está mesmo).

Há uma solução que concilia tudo, que conseguiria os objectivos pretendidos pelo governo sem os problemas que se prevêem e sem prejudicar ninguém. Bastaria fixar apenas um mês de férias judiciais de verão, como previsto, mas determinar ao mesmo tempo que durante outro mês, por exemplo em Julho, não seriam marcados julgamentos ou outras diligências. Esse mês, em que continuariam a correr prazos, destinar-se-ia no fundo a acelerar o andamento dos processos, dando ao mesmo tempo aos juízes oportunidade para proferirem as decisões em atraso. Também os funcionários judiciais teriam mais tempo para cumprir processos, uma vez que não haveria audiências nem actas. E o nosso inquilino caloteiro seria despejado um mês mais cedo – mas não se pode agradar a todos, pois não?

Por: António Ferreira

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